Charles Peirce, também o verde tenro da Primavera é um ser?


(mensagem recebida)
Queira Deus, meu ainda admirador, queira Deus que tudo esteja bem, de saúde, formulo este desejo em cada minuto do dia, até quando durmo. Saiba que esta pandemia que assola o mundo me tem feito pensar e, que quer, estou agora mais ou menos convencida que é urgente olhar o mundo por um outro prisma. Olhei a imagem que lhe envio e, Santa Maria, não é que na mulher do quadro da direita vejo trejeitos meus? Aposto, singelo contra dobrado, eu era capaz de me ardilhar assim, vida minha! Vai daí, perguntei-me: haverá no mundo outros seres (além dos conhecidos, vírus incluídos) imunes à erosão do tempo, eternos? Raio de pergunta, céus, até me belisquei. Vai direta a ti, a experiência é a essência do conhecimento, a boa experiência porque a má experiência é a imbecilidade pulha dos vígaros, ouvi uma voz ciciar-me. Vou direta a mim? Que é lá isso? Desabafei de mim para comigo. Matutei e matutei, neurónios para que vos quero, e fui à cata do meu caderninho argolado, folheei página a página, e exclamei: deuses perdulários, os meus desenhos são o contorno da minha própria existência, são labirintos feitos de meandros, qualificam a complexidade dos signos indicadores da minha vida. Sustive a respiração... No meu terraço com linha de horizonte-água um enxame de abelhas treinava um voo errabundo, suspirei: oh minha tia asadinha, tu queres lá ver, se um signo é tudo o que se mostra, o que se manifesta, o que se assinala de diferentes maneiras que não são as coisas (alô Charles Peirce, excelente meteorologista e grande conhecedor dos vinhos franceses, vem em meu auxílio!) então os signos são seres imunes ao tempo, são eternos, serão mesmo? Arrisquei, meu caro admirador do meu faro intelectual, aceitei uma chamada do Charles Peirce e estatelei-me ao comprido depois de tropeçar no meu sorrisinho maroto (esse mesmo que está a ver). Porquê? Ora leia com atenção o que ele me disse: “Uma pêra é uma coisa. Mas, quando ela morre, não leva consigo o seu verde característico, que assim desapareceria com ela. Em vez de ser apenas uma pêra, é um fruto afectado por uma maneira de se mostrar que outras pêras possuem, uma maneira de brilhar no jardim, de reflectir o pomar, de ser vista por quem tem fome, outros tantos signos relativamente independentes do que ela é...”. Leu e não percebeu? Eu traduzo: os diferentes aspectos de algo que existe são signos que irão associar-se entre si, de modo múltiplo, muito flexível e com variações. Nossa Senhora, os meus desenhos são criativas variações dos signos em mim, acudam, descobri. Não entendeu? O que eu passo consigo! Vamos lá, devagar. As coisas (os seres humanos também são coisas) - vou ler a carta VII de Platão, adiante - fazem signos e alguns seres humanos, mesmo antes de serem seres individuais de carne e osso, já são imagens, são imagens que emanam signos e que umas vezes são recebidas ora como indícios ora como ícones ora com símbolos (Peirce dixit). Isso, isso mesmo, é como diz, quando pensa em mim e me adora, está, nem mais e nem menos, envolvido num banho de signos prolixos, numa efusão de aspectos que se mostram de diferentes maneiras. Como diz? Diz que as minhas qualidades sensíveis (aquilo a que eu chamos os trejeitos e os atalhos de mim) - a seda da minha pele, a graciosa curiosidade dos meus olhos grandes, a minha forma de dizer "ai os nanos", os torneados do meu vestido verde limo, o cheiro do meu sorrisinho maroto quando me vejo ao espelho, os gestos travessos das minhas mãos meninas, o meu divertido e corado “eu também sou gente, agora é a minha vez”, a emoção que se apodera de mim quando contemplo um desenho meu, o ar furibundo quando reajo a injustiças … - não dependem nem de si e nem de mim? Ouvi bem? Afirma que essas minhas qualidades sensíveis existem por si mesmas, que se abraçam e se repelem no mesmo momento, que são verdadeiras entidades que ocupam um espaço e um tempo? Meu Deus, tanto e tanto eu estou sintonizada consigo. Céus, tropecei agora numa gargalhada, se assim é, então eu sou um dos cachos violáceos de qualidades que Deus derramou no mundo, as minhas qualidades são seres imunes à erosão do tempo, são seres eternos e eu os conceptualizo em desenhos que guardo no meu caderninho argolado embrulhado em perfume de erva segada. Gosto e gosto, vou agora, atenta ao rio dos meus pensamentos, vou devolver a chamada e perguntar em jeito de quem saber ainda mais: Charles Peirce, também o verde tenro da Primavera é um ser?

Adenda
... com memória e memória e memória.

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