O paladar é um sentido básico e personalizado

Resultado de imagem para Philippe Mercier the sense of taste
Tenho a certeza, garanto, tenho a certeza que não estava a sonhar quando, pelas duas horas da manhã, vi a imagem de um quadro (a que encima este texto) projectada na parede branca do meu quarto de janelas guilhotina. Habituado que estou a surpresas de uma fada imprevisível, aguardei, prudente, com a curiosidade à flor da pele: ela estava no quadro, até me arrepiei, o meu coração já batia muito acelerado. Claro que sou eu, a voz dela, ciciada, não se fez esperar, claro que sou eu, sou eu mesma quando posei para o Philippe Mercier (em 1747) para identificar o sentido humano do paladar. Céus, leio nos seus pensamentos a sua admiração de mim, o meu estilo inconfundível está a atacar os seus neurónios, sim estava um pouquinho anafadinha (ups, anafadinha era a grande moda na época), acalme-se, eu explico, pare com os seus ciúmes; só posei para este quadro, ele armou-se ao pingarelho, levou um tabefe daqueles. Eu, tolhido por ideias loucas em danças ocultas, nada, nem tugia nem mugia, fiquei calado que nem um rato, que poderia eu dizer, que linda que ela estava no quadro e juntinho a mim. Preso ao sorrisinho dela e enquanto o meu único lençol de linho branco dava às de vila diogo, senti-me a perguntar: porquê o privilégio para esse sentido humano? O sentido do gosto é o segundo sentido mais personalizado, o primeiro é a visão, respondeu. Não, não é, atrevi-me, não é, basta uma pesquisa simples e saberá que Aristóteles no "De Anima" identificou os cinco sentidos, e a ordem é visão (olhos), audição (ouvidos), tacto (pele), paladar (língua) e olfacto (nariz) de acordo com a consciência sensorial que cada um deles proporciona. Pois sim, ripostou, desde que ultrapasse essa ideia de que cada sentido proporciona um estado de consciência (seja: que há cinco tipos de sensação e que o cérebro deverá ser dotado de um processamento paralelo, segregado em cinco sentidos separados, que depois se traduzem em fluxos respectivos e distintos de experiência subjectiva). E não é assim? Interrompi. Enroscou-se. felina, no meu lençol de linho velho, e: não, não é, não é assim, a consciência é multisensorial e cada sentido influencia os outros; por causa dessa sua forma de pensar, em 1978, desenvolveu-se uma lógica de ensino baseada nessa ideia: a teoria dos psicólogos Dunns (Rita e Kenneth), a iniciativa VAK que deu barraca. Iniciativa quê? Olhe, ciciou, agora não é hora, num outro dia lhe falarei sobre essa iniciativa. Não estou de acordo, insisti, bem que podia explicar um pouco. E eu ralada, o que lhe garanto é que valerá a pena considerar a classificação dos sentidos, não segundo "as quantidades de consciência" mas sim de acordo com o que cada um deles depende de um contexto e de um significado específico. Ou seja? Questionei. Há, por exemplo, respondeu, uma sinergia intrigante entre visão e o paladar, seja, a simples cor de uma caneca pode influenciar o sabor do chocolate quente: a bebida sabe mais a chocolate numa caneca laranja ou creme quando comparada com uma caneca branca ou vermelha. Mais, olhe para si neste momento, olhe o elevado resultado da intrigante sinergia entre a visão e o paladar, seja: quando me viu e sentiu o meu significado pessoal e único, céus, mais não digo, rematou num hãhãhã divertido. Xeque mate, concedi.

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