Acerca da pura e vidente aparição da beleza


Dizem-me que um quadro de Joaquín Sorolla - "Plasencia", 1917 - foi adquirido, pelo Ministério da Cultura de Espanha, por 300 000 euros. Olha a surpresa!, e então?, vai direitinho para o novo "Museo Sorolla", onde poderá dialogar com outras obras do autor, soprou-me sagaz a minha consciência crítica. Pois é, ripostei, a questão não é essa, a questão é que eu conheço relativamente bem a história e a realidade da mui interessante cidade "Plasencia", e, quando me confrontei com o quatro, trauteei em voz baixa, este quadro tem harmonia e verdade e superficialidade, é um quadro belo. Já cá faltava, interrompeu-me ela afogueada, outra vez a beleza a fazer das suas e a azucrinar-te o juízo, claro que é um quadro belo, mas. Mas o quê?, como é que é?!, encabrestei-me. É muito fácil explicar-te o meu mas, é fácil e não é fácil, ainda assim arrisco, disse cortando-me cerce o pensamento. E, sem mais nem quê, ouve, soletrou pausadamente, é fácil explicar-te porque, quando dizes que o quadro é belo, (i) rapinas o pensamento de "beleza é harmonia" de E. Kant, (ii) desvias o pensamento "beleza é verdade" de G. Hegel, (iii) roubas o pensamento de "beleza é superficialidade" de F. Nietsche. Alto aí, interrompi, e não é fácil explicar, porquê? Não é fácil, resposta pronta, não é fácil porque não acredito que tu consigas, em alguns segundos, percorrer o pensamento estético daqueles três filósofos. Adiante, atravessei-me, e se eu te disser que também tu não consegues? E ela: céus!, acabo de tropeçar numa gargalhada divertida ao ver-te em palpos de aranha, adiante, vou fazer que não te ouvi, aqui vou eu, aí tens: a beleza-harmonia de Kant, é do domínio estético subjetivo e objetivo na natureza, a harmonia faz-nos sentir e ajuizar bem; a beleza-verdade de Hegel, a verdade é manifestação do espírito da humanidade na arte, enriquece-nos e compromete-nos; a beleza-superficialidade de Nietzsche, a superficialidade é máscara da vida na arte, arrebata-nos e liberta-nos. À cautela, embatuquei sem mais nem mas. Não se dando por satisfeita e supondo-me fraco no entendimento, ainda foi dizendo em surdina que eu não sei que tenho sete sentidos e não cinco, e que estes cinco sentidos, os mais conhecidos, são os menos importantes. Claro que sei, homessa!, ora essa!

Adenda, com memória.

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