Em tempo de fim de linha: a beleza é maleável e vem de dentro de nós mesmos

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Aposto que é primeira vez que está a olhar - olhar é criar o que vemos, nunca se esqueça - para um pormenor de uma pintura de Orazio Gentileschi "A tocadora de alaúde". Está sem fala, já entendi, está sem fala e já está esfalfado mas sem canseira, está banzado, é muita areia para a sua camioneta. Vamos lá. A primeira coisa que lhe põe a cabeça em torvelinho é o conjunto: a quantidade de amarelo torrado e de branco nacarado no vestido folhado da tocadora de alaúde, amarelo e branco que se desvanecem no pescoço e no rosto e no braço e na mão e no olhar pensativo de uma mulher linda, amarelo torrado e branco nacarado que, logo de seguida, escurecem no cabelo e nas tranças da tocadora e nas costas do alaúde. Adiante, agora, por favor e com atenção, pergunte-se pelo que lhe dizem as dobras do fio que ata o vestido, o que lhe diz o frágil violino admirado, o que escondem as partituras engelhadas quais folhas soltas de um caderno argolado, o porquê do fundo escuro: é ou não verdade que à medida que explora a pintura, tanto a sua compreensão vai mudando quanto alguns seus (também meus-seus-meus) sentimentos gratificantes tomam conta de si? É isso mesmo, bingo!, estou a ler bem o que vai na sua mente, seja, que uma experiência estética se desdobra no tempo (e ao longo do tempo, o gráfico da nossa vida o confirma: porque se a nossa vida é nómada, a nossa memória é sedentária) mesmo quando uma obra de arte não muda e se mantém estática. Eis a pergunta que sobra: como é que o cérebro cria essa experiência dinâmica, sabe? Não sabe, olha a novidade! Cá no meu modesto entender, não faltarão por aí estudos para o confirmar, a chave que abre essa experiência dinâmica mora na distinção entre as partes do cérebro que respondem ao mundo exterior e aquelas outras partes do cérebro que olham para dentro de nós mesmos, é assim que também sonham os poetas, pois não é?, que lhe parece? Não!, estarei a ouvir bem? Diz-me que tem que haver uma rede de neurónios no cérebro humano envolvida em pensamentos internos mui gratificantes, afiança-me que até arrisca a hipótese de que essa rede possa conter um código universal, conter um código universal secreto que nos abra a possibilidade de em cada momento sabermos que algo é belo. Céus do Olimpo!, até que desta vez concordo consigo, concordo que a beleza é maleável e que vem de dentro de nós mesmos, mas só concordo em tempo de fim de linha, ponto.

Adenda..., com memória.

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