Nada é alheio ao processo criativo, nem sequer as enfermidades
mensagem recebida
Bom dia, meu caro, meu caro admirador de mim única, estou aqui enfronhada a trabalhar e a pensar em si. Com a pressa, ao sair de casa, esqueci-me, distraída como sempre, esqueci-me do meu estonteante caderninho argolado. Sendo assim, esta minha mensagem não foi rascunhada antes. Vamos lá. Li a tese sobre sinestesia, e... Gosto da palavra sinestesia, soa bem, é diferente. Acho interessante o recurso ao si, uso-o todos os dias, quando lhe desejo um bom dia para si cheio de cor, luz, alegria. Sim, o si (rimou!) é amarelo: quando era miúda, o amarelo era minha cor preferida e obrigava a minha mãe a comprar-me tudo em amarelo, até o pijama! Lembro-me, ainda, do meu pijama amarelo, que usei até me servir e que a minha mãe achava horrível (uma menina com um "fato-macaco", eram assim os pijamas da moda, à época) vestida de uma cor tão forte e improvável para uma peça de roupa de dormir, ninguém usava tal coisa senão eu. Na altura, eu, sendo diferente, pensava que dormia com o sol juntinho a mim, era tão giro, tão ainda mim. Adiante. Viu? Esta coisa de escrever directamente uma mensagem (quotidiana) para si (olhó si!) sem recorrer ao rascunho no meu caderno argolado perturba-me o pensamento. Vamos agora ao que hoje lhe quero dizer. Demore-se na imagem, reproduz fotografias da bailarina Ida Rubinstein. Por ela e para ela Maurice Ravel compôs o Bolero, que aqui fica em fundo musical. Podia, mas não o vou fazer, podia falar-lhe das imagens e daquilo que elas mostram, amanhã passado o farei, agora realço tão só o fundo amarelado da fotografia do meio, dá-lhe um toque aureolado especial. Quero sim, isso sim, quero, dizer-lhe que o Bolero ou se adora ou se detesta: baseia-se apenas em dois temas melódicos simples explorados até à exaustão, e também em quatro elementos compositivos que se repetem oito vezes em 340 compassos com volume e instrumentalização crescentes. Porquê? É na resposta ao seu porquê que mora o principal tema desta minha mensagem: nada é alheio ao processo criativo, nem sequer as enfermidades. Seja. Quando Maurice Ravel compôs o Bolero já tinha começado a sofrer as primeiras (e devastadoras) manifestações de uma enfermidade neurológica vegetativa - uma enfermidade frontotemporal - que o viria a incapacitar (totalmente) para compor a partir de 1932. Porque é que Maurice Ravel compôs e dedicou o Bolero a Ida Rubinstein? A resposta mora na pergunta.
Adenda
Penso que não saberá que as lesões cerebrais (frontotemporais) são responsáveis pela "miopia do futuro". Não acredito, não sabe o que caracteriza a "miopia do futuro"? Que surpresa minha nenhuma! Pesquise aturadamente, não seja calão, seja curioso.
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