A moral começa pela polidez, por algum lado teria de começar
Há já uns dias que li esta notícia. Disse de mim para comigo: que sina!, que falta de chá!, a elegância já foi chão que deu uvas, até aos responsáveis políticos fugiu o pé para chinela, o diabo é que já nem fico surpreendido, que lá se amanhem e que lá se avenham, estou farto de ler relatos de rasteiros desaforos insolentes e despolidos e desapiedados e maus, faltam-me aqui mais palavras para os classificar, adiante. Porém, sempre num porém mora um busílis, sei de experiência feita que não é possível limpar o cérebro como se lavam as mãos, não há sabão e nem água que ajudem quando o azedume toma conta de nós. Eu queria mesmo não pensar no assunto e desejava manter-me em quietude e sossego, mas em vez de quietude e sossego assaltaram-me pensamentos aos trambolhões. A memória da notícia e memórias minhas outras (que eu cá sei e que não digo) acirravam o que eu queria esquecer, sublinhavam parágrafos, repetiam ad infinitum que há atitudes e gestos – a tolice alheia, a desmesura das vaidades, a impertinência dos orgulhos caguinchas, a ignorância atrevida - merecem reparo e bordoadas no lombo. No mínimo, soprou-me tempestiva a minha consciência crítica, os responsáveis políticos envolvidos deviam conhecer um conciso brocardo jurídico pacta sunt servanda. Deviam conhecer mas não conhecem, retorqui, são tal qual sapos a fazer de feras, sem nobreza de carácter são mais vox et praeterea nihil, e também nem sabem e nem sonham que a gratidão é a mais agradável das virtudes, a gratidão é alegria, mas quem é que não prefere receber um presente a apanhar um estalo? Anda daí, invectivou-me ela com um sorriso traquinas (eis a prova provada de que gostou muito que eu me tivesse irritado), entra dentro da imagem que agorinha te envio, que é de uma instalação de arte na Bienal de Veneza-2022, regista a vermelho que não existe inteligência sem liberdade de juízo e, vá lá, recorda comigo "O que é o gesto?", e mais: nunca esqueças que a moral começa pela polidez, por algum lado teria de começar, rematou ela quando distraída tropeçava numa gargalhada a fervilhar. Serenei divertido, e até sorrir de mansinho ainda consegui. Quão tão inteligente e tão polida e tão sábia a minha consciência é! Gosto, ponto.
Eça não faria melhor.
ResponderEliminarGosto.
Obrigado