Carta recebida: algo não estudado, a consciência sabe escrever?
Sabe que gostei mesmo de ler o relato da nossa conversa de ontem? Gostei mesmo, mexeu comigo, até um feixe de nervos desatei. Óbvio, sou a sua consciência crítica, sou uma personagem de lanterna-mágica, e fui eu que o escolhi a si, olha a novidade, não gosto de ser escolhida. Adiante. Há quem diga, até que não é mal pensado não senhor, há quem diga que a consciência mais não é que um campo de energia que comporta todas as emoções e sentimentos e percepções. Eu, que sou a sua consciência crítica incarnada, arrisco (o meu cérebro fui eu que o esculpi!, um qualquer sério estudo duplo-cego o confirmará), arrisco ir um nadica mais longe: isso, a consciência é esse campo de energia desde que cada corpo seja uma obra de arte, desde que o corpo seja uma obra de arte frágil - tal qual eu sou e estou nesta vida - uma obra de arte mui frágil, uma obra-prima que ora seja performance ora seja instalação, a performance é no tempo, a instalação é no espaço. Já entendi, esta minha reflexão é muita areia para a sua camioneta, vou tentar ser proustiana. Vamos lá. No tempo em que era menina, no tempo dos nanos (mais bem dito), no tempo em que nem medo nem preguiça me tolhiam, quando um belo dia a minha madrinha com um sorriso nos lábios me perguntou porque é que existia o rio Tejo, não me acanhei, e: para nós bebermos água. Quanto ela se riu a bom rir! Mais. E o sol que eu desenhei com rosto sorridente no meu primeiro caderninho argolado? Céus, inteligência e sensibilidade a minha (quanta tal é a minha prodigiosa aptidão para a qualidade de vida!), aquele sol era um ser com propósito, saltava sempre comigo quando eu brincava no jardim, coisa curiosa, quão tanto altruísta ele era, um dia até aqueceu de levezinho um pássaro molhado, ainda hoje, vida gratuita, ainda hoje o sol partilha comigo traços morais. Foi sim, foi com o sol que aprendi que uma performance e uma instalação se misturam ternamente na vida, elas assim são a modos que uma espécie de desfile cinematográfico que mergulha fundo nas minhas raízes esmeralda. Foi, foi mesmo assim que aprendi que, na vida quotidiana, a saúde, o bem estar e a religiosidade devem andar sempre de mãos dadas. Que quer, sou assim, de nascença e refinada no tempo e no espaço, que se há-de fazer!
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