As formas da poesia são o sentir que pensa e o pensar que sente


(mensagem recebida)
Meu sempre presente admirador de mim e da minha perspicácia inteligente, muito bom dia! Há uns tempos a esta parte, passo horas e horas a garimpar na "Ética de Espinosa" com muito afinco e bastante determinação, diga-se de passagem. Meu caro, meu caro, neste preciso momento, está a receber um "implante mental": ao ler esta minha mensagem, está a reproduzir-se na sua mente a mesma sequência de palavras que foi gerada no meu cérebro. Sim, sim, claro que sim, se estivesse em frente a si, óbvio, a realização deste implante era de forma instantânea e melhor, seja: para transferir o meu pensamento, além das palavras - gosto das palavras quando me sinto menina ao colo delas e me deixo envolver pelos silêncios que as unem - também o meu corpo inteiro falaria consigo. Pois!
Anteontem, veja só como as coisas são, aí por volta das 23 horas e troca o passo, emaranhei-me e estaquei, os pés no chão que nem burro teimoso "daqui não saio nem que a vaca tussa", estaquei neste saber (nas páginas 112 e 113 de 2ª parte) de Espinosa, este: "Proposição XII - A mente esforça-se quanto pode por imaginar as coisas que aumentam ou ajudam a potência de agir do corpo. Demonstração - Enquanto o corpo humano for afectado por um modo que envolve a natureza de um corpo exterior, a mente humana contemplará esse mesmo corpo como presente (pela Prop. 17, P. II) e, consequentemente (pela Prop. 7, P. II), enquanto a mente humana contemplar um corpo exterior como presente, isto é (pelo Esc. da mesma Prop. 17), enquanto imaginar, o corpo humano é afectado de um modo que envolve a natureza desse mesmo corpo exterior. Por isso, enquanto a mente imaginar as coisas que aumentam ou ajudam a potência do agir do nosso corpo, o corpo é afectado por modos que aumentam ou ajudam a sua potência de agir (ver o Post. 1 desta Parte) e, consequentemente (pela Prop. 11 desta Parte), a potência de pensar da mente é aumentada ou ajudada. Por conseguinte (pela Prop. 6 ou 9 desta Parte), a mente esforça-se quanto pode por imaginá-las. Q. E. D.
Ontem, Minha Nossa Senhora da Inteligência Perdulária, depois de ter dormido abraçada pelo sono até a manhã raiar límpida no meu terraço de horizonte-água, li e reli a carta do Agostinho da Silva. Aposto que ele haveria de gostar de me ter conhecido, também eu me sinto bem no "estar no contra", é da minha natureza, teimosa que nem vou ali e já volto. É assim, que se há-de fazer, conheço de gingeira os contornos da infância prodígio! Adiante. Depois de ler (e reler) aquela carta sempre a pensar em si - quanto eu adoraria ter estado presente (e participar) nas vossas deliciosas conversas vadias! - , caiu-me literalmente em cima (literalmente é como quem diz, a vida tenta sempre maquinações para avançar), caiu-me em cima esta conversa com a Yayo Herrero que eu não conhecia: não conhecia nem a conversa e nem a Yayo.
Hoje, ainda aturdida com algumas notícias que vou sabendo deste meu, perdão, digo, deste nosso país à beira mar plantado -  um país em em que um governo chama poupança aos calotes que impinge (que é lá isso das cativações?), um país em que o fingimento em barda se transforma em realidade, um país dos sonhos e dos amanhãs que cantam e que nunca mais aparecem, um país onde o descaramento e a pulhice cretina de alguns (demasiados e quejandos e afins) governantes é uma instituição poderosa, um país de memória curta e sorriso e gentileza mas de olhos fechados - , dei comigo a relacionar-me com o saber do Espinosa, com a carta do Agostinho e com o estilo da Yayo. Vamos lá. Por partes, como convém. (i) Estacionei o meus olhos grandes na forma de se apresentar da Yayo (imagem a encabeçar esta minha missiva), e ciciei: mau mau, a natureza e o estilo dela têm o mesmo padrão da minha natureza e do meu estilo, pode lá ser; fui ler e reler a citação do Espinosa (acima transcrita) e fiquei muda e queda: aquele apresentar-se da Yayo tem tudo a ver comigo (daqui a uns anitos está bem de ver), suspirei. (ii) Reli, mais uma outra vez, a carta do Agostinho, e disse-me: tudo bem, mas não é tudo exactamente como a Yayo diz, tenho umas coisitas apontar-lhe, não me posso esquecer que partilho da tirania do contra. (iii) Epifania! Gritei (até me belisquei!), e atirei estas palavras ao vento que no meu terraço andava perdido: acabei, eureka, acabei de entender que as formas da poesia são o sentir que pensa e o pensar que sente. 
Gosto, gosto e gosto! Adoro! Existo para além de mim, vida, deuses, que mais me irá ainda acontecer?
Adenda
... com memória e memória e música.

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