Assim é e assim seja
Existo, sou assim, que se há-de fazer!, ouvi uma voz suspirar quando um vento leve se aproximava, que ainda me desafiou: que tal exercitarmos o pensamento driblando as três partes que compõem a minha afirmação em dia sim dia sim? Vamos a isso, repliquei, que significa existir? E ela: existir significa submeter-se a ser-qual, qual de qualidade, ser-qual é a manifestação da qualidade no mundo, ser-qual é ser-assim. A medo, atrevi-me: então a qualidade é o único modo de ser-assim, é a única maneira sábia de viver no mundo, é ser-se tal qual se é, certo?, em juridiquês tem o seu quê de "fumus boni juris". Isso, isso mesmo!, interrompeu, ser-assim é ser tal-qual se é, não de outro modo, uma folha verde é só verde, não é roxa e nem é amarela. Quem negue tudo o mais e que seja só assim como assim é, esse quem não existe, afirmei convicto. E a voz: ah isso é que existe!, e há muito e muito tempo!, bem me recordo ainda (i) de ter espiolhado este discurso do Niels Steensen (bem ele cascou no T. Willis e no R. Descartes!) e de anos mais tarde (ii) ter ajudado o S. Ramon y Cajal. Uma voz não se recorda, atalhei. Ela não se deu por achada, e: adiante, no “que se há-de fazer!”- a terceira parte da minha afirmação suspirada - desvela-se o rosto-nascente de um ser único sem predicado, com todos os predicados, um ser único cujo coração dias há que tem saudades não bem sabe de quê, um ser que sente como quem olha e que pensa como quem anda. Mas a expressão "com todos os predicados" não é um predicado?, ou tão só é um oráculo? Inquiri aturdido. Um oráculo é um oráculo e todos os predicados são impropriedades no plano da existência epicuriana, retorquiu, e: meu caro, ser-assim é um próprio-único modo de ser no mundo onde as qualidades são o ser-assim. Assim seja!, exclamei divertido. E a voz em tom calmo de ora toma lá e vê se te avias: assim seja significa seja o assim. Embatuquei sem mais nem quê.
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