Um oráculo é um oráculo
Há mensagens que ficam
gravadas no meu pensamento e imaginação, soprou-me
no meu ouvido esquerdo a minha fada quando o sono já se enrodilhava na massa
cinzenta do meu cérebro. Uma dessas mensagens, imagine só, obrigou-me a
descansar o meu rosto na minha mão esquerda com um sorriso maroto por perto. Quem
estivesse a olhar, que diabo pensaria de mim? Ensonado, respondi que quem estivesse a olhar, diria que estava a imaginar ou
a saborear um momento particularmente agradável e saboroso, sendo que, na minha
opinião, o sabor depende das necessidades de quem saboreia. Meu caro, interrompeu-me de imediato, a sua
opinião vale o que vale mas não anda longe da verdade, dado que há tipos de pensamentos
são pensáveis e saboreáveis (e penso até que um dia todos (e não apenas eu) poderão gravar a memória, dado o avanço quer da computação quer do estudo do cérebro durante os séculos XX e XXI). Naquela altura, garanto-lhe, eu estava com uma expressão atrevida (bonita e feliz), de
quem guarda um segredo na memória e a magicar mil formas de o praticar, abrindo-lhe vias de imortalidade. A sua conversa, provoquei-a, parece um argumento de ciência de ficção mas admito que já há muito tempo me habituei a pensar que a sua realidade supera sempre a ficção. Sem fazer caso da minha provocação, continuou dizendo: estou a recordar-me de uma conversa de um
fim de tarde de frio molhado, sentada num escano de carvalho secular ao lume de uma lareira com brasas de azinho (do mesmo jeito em que decorreu a célebre conversa (em que participei activamente) que
Heidegger descreve na “Carta sobre o Humanismo”); nessa conversa de fim de tarde de frio molhado, dizia eu, A. Fabre D´Olivet garantiu-me que o ser humano é uma planta que dá pensamentos, tal como uma roseira
dá rosas e uma macieira dá maçãs. Se quer que lhe diga, invectivei-a, perdi completamente a sua narrativa. Pensamentos,
segredos, rosas e maçãs estão ao mesmo nível de utilidade? Que embotado e despenteado mental me saiu! –
Suspirou, enquanto garantia que a
expressão dela era igual á de quem guarda um segredo porque os nossos desígnios
evolutivos orientam e estruturam os nossos pensamentos. Já quanto às maçãs (e
até ovos e batatas) afirmou que nos sabem bem não pela maravilhosa configuração
das suas moléculas mas porque são pacotinhos de açúcares de proteínas que nos
fazem falta; e, perplexo, ouvi-a sugerir que até deveriam ser considerados
euros de energia que devíamos poder depositar em bancos especializados. Agora
adensaram-se as dúvidas como nuvens num céu nublado, disse-lhe intempestivamente, porque me acaba de deixar desnorteado e curioso. Não quer levantar um pouquinho do véu quanto
ao seu segredo? Ou será que o seu cérebro se ocupa de tudo o que é preciso para
a manter feliz e até inventa segredos? Que sorte a sua! Embora as suas duas
perguntas e a sua exclamação sejam bem pouco abonatórias da sua acuidade mental, assegurou-me, não deixo de lhe dizer, em
jeito de oráculo, que se serenas e concentradas duas mãos pequeninas se
escondem do frio nas tocas dos braços, ficam côncavas de ser, ágeis no prender e ávidas de carícias; e sonham
e criam eternidades de abraços. Não percebeu nada, nadinha de nada? Não fico admirada; mas ainda assim dou-lhe um conselho. Esforce-se, estude afincadamente (pergunte-me sempre que necessitar e se tiver dúvidas) as últimas investigações relacionadas com a arquitectura e o funcionamento do cérebro; e, logo que puder e para me agradar (eu mereço), desfaça-se dessa sua maldita, manhosa e já enroscada preguicite aguda.
Um oráculo é um oráculo, meu caro!
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