Vou à cata da imagem de uma orquídea para encimar este texto...
São
04:04 desta manhã de sexta feira, a chuva já por aí anda e eu já
aqui estou, perto de si e já aninhada na minha manta de lã de
ovelha merina branca, o olhar da noite já é luz da manhã, gosto. Conheço a dona desta voz melodia sábia, disse para comigo,
sei quem é, mas aqui só estou eu, que raio se passará! Uma
treta, ouvi distintamente, aposto que tem o nariz entupido, então, e
o meu perfume, não o sente silencioso como aroma de cometa? Sinto, respondi, sinto-o no jeito do pão acabado de cozer. Oiça-me, retorquiu,
vim ter consigo para lhe fazer algumas perguntas a eito, se quiser responder, responde, se não não quiser responder, respondo eu por si, adiante,
vamos lá, oiça. Qual o pensador que mais o entusiasma? Proust,
sem dúvida, disse eu, e acrescentei: fico entusiasmado quando,
depois de ler páginas e páginas de acontecimentos mundanos, chego
ao tutano de questões filosóficas deveras interessantes, para Proust a memória é um processo e um espelho do esquecimento, neste sentido, pergunto-lhe eu agora a si: qual a sua palavra favorita? Olha
a novidade, o meu nome, respondeu, acaso não sabe que sempre me
oriento por ele, digo, acaso não sabe que tudo o que é belo e
saudável se traduz com o meu nome? Presunção e água benta é algo que
não lhe falta, disparei, mas enfim, é a sua vez de perguntar. Sorriu, e: gosto
deste diálogo tu cá tu lá no fazer as perguntas, aí vai, qual a questão que
mais o atormenta? Tudo o que tenha a ver com a infinitude do tempo,
ouvi-me a responder, neste momento já tenho saudades da sua chegada
há uns minutos, vivo a nostalgia de estar consigo. Neste
tempo de doença viral, apoquenta-o a morte? Perguntou,
interrompendo-me de chofre. Não me apoquenta nem arrefenta, respondi, a morte intriga-me mas
não tenho medo da morte, defendo a ideia de uma morte bela, em plena
consciência. Intuí que ela estava a meditar na ideia de ninguém
morrer sem o saber, aproveitei para a questionar: alguma vez fez uma
promessa a si própria? Sim, fiz a promessa de justificar a minha vida pela beleza
dos gestos nobres e altruístas, se nasci mui, muito linda com olhos grandes como duas andorinhas e mãos finas e pele porcelana devo renascer todos e
cada dia mais ainda linda e ainda mais nobre. Apanhei no ar as suas últimas palavras,
e arrisquei de supetão: de que duvida? Duvido da natureza humana e de mim mesma, muitas
vezes duvido das escolhas que fiz (e que faço) porque me sinto presa
num conflito de desejos, talvez
por isso eu gostasse de viver numa época cicladíaca em que fosse orquídea, numa orquídea mora a delicadeza e a perfeição para admirar. Agora é a
minha vez, soletrou, e: detesta algum sofista? Todos, respondi, os sofistas gostam de se fotografar, armam-se em espertos por dá cá aquela palha, agradeço-lhe esta conversa matinal, preciso de dormir, mas não se vá embora sem me responder a uma última pergunta: qual a questão mais importante a fazer a todos os seres humanos sem excepção? Meu admirador de mim única e perfeita, mediu as palavras, que pergunta tão pertinente, a questão que eu colocaria a todos os seres humanos com rosto arado pela vida é simples e única: vivem enamorados? Acordei quando ouvi a resposta, tenho a certeza que sonhei, porque me recordo de ter entrado pela manhã dentro a sorrir com o efeito (a causa sei eu bem qual) dos meus impulsos arteriais descontrolados, tinha que ser, adiante, vou à cata da imagem de uma orquídea para encimar este texto.
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