Um diálogo mais ou menos indiscreto...

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Aquele Denis, vida minha, oiça-me, páre de me percorrer de cima abaixo, já estou a sentir um calorzinho arrepiado. Atente na capa do livro que lhe agora lhe mostro, e responda-me se souber: "As jóias indiscretas" é a tradução (correcta) para português de "Les bijoux indiscretes", é, pois não é? Vem mesmo a calhar uma conversa com ela (a única fada que sempre acorda quando adormece), pensei comigo quando vi chegar; e, tendo percebido a pergunta encriptada (conheço relativamente bem a vida e a obra de Denis Diderot), não tive dificuldade em responder: é, e não é.  Ela, linda como sempre se apresenta, sorriu divertida, enquanto trauteava, rodopiando e imitando a minha voz: "é, e não é, pátáti, patátá, é, e não é, olari, olaré, olálá". Reagi: não estou certo? Olhou-me com aqueles olhos grandes de prescutar, pôs as narinas a jeito, e, apanhando o cabelo e destapando a nuca, disparou: está mais ou menos certo; e, garanto-lhe, acordou a minha vontade schopenahueriana. Charadas, a esta hora, encabrestei-me, acordei a sua vontade quê, tenha paciência, já li esse livro de Diderot e sei muito bem de que falo. Desmanchou-se a rir, e ciciou em tom melífluo: meu admirador de mim asadinha e perfeitinha e única, as suas últimas palavras"... sei muito bem de que falo" fizeram cócegas no meu sistema límbico, que calores, céus, acudam, não seja indiscreto, uma jóia é sempre uma jóia. Eu fui indiscreto, as minhas palavras foram indiscretas, o que foi mesmo que eu disse? Sorri quando percebi, que guicha que ela é!
Adenda
Bem, a verdade, verdadinha, é que conheço o livro... Sei muito bem que se trata de um romance erótico (a palavra jóia é apenas um eufemismo), publicado em 1748. Óbvio, foi (logo) um livro proibido e (lógico) um êxito imediato. Adiante. Curiosamente o capítulo 29 (quiçá o menos lido porque, excepcionalmente não apresenta relações sexuais) é deveras interessante. Leia-se um pequeno excerto:
"(...) Vi à distância uma criança que caminhava na nossa direcção com passos lentos mas seguros. Era um rapazinho com uma pequena cabeça, um corpo magro, braços débeis e pernas nuas que, no entanto, iam crescendo á medida que ele avançava. Através dos seus vários assomos de crescimento, aparecia-me com aparências diferentes. Vi-o apontar um longo telescópio para o céu, avaliar a velocidade da queda de um corpo com a ajuda de um pêndulo, verificar o peso do ar com um tubo cheio de mercúrio e gerar a luz a partir de um prisma na mão. Tornou-se entretanto um colosso enorme, com a cabeça a tocar no céu, os pés perdidos no abismo e os braços estendidos de um polo ao outro. Com a mão direita agitou um archote cujos raios de luz se expandiram para todas as direcções, iluminando a profundidade das águas e penetrando nas entranhas da terra (...)".
Quem seria aquela estranha figura? Parece fácil a resposta, tipo, essa estranha figura representava a "revolução científica" que (naqueles tempos) estava a acontecer: Galileu apontara o telescópio para o céu, Mersenne medira com precisão a velocidade dos corpos a caírem, Pascal pesara o ar e Newton fizera surgir a luz de um prisma. A verdade é que não, a verdade é aquela estranha figura (na forma de pensar de Diderot) representava a "experiência", conceito que mais tarde (na língua inglesa) passou a comportar dois sentidos: o de experiência e o de experimentação.

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