Acerca de " O Jardim de Epicuro"







Antal Strohmayer, O Jardim dos filósofos, 1834.



Consegui mesmo sentir o aroma do teu poema de ontem, vida minha!, há quanto tempo, deuses!, há quanto tanto tempo não me apetecia ripostar em jeito de felicidade a esbarrondar-se. Aqui vai disto: logo que li “a matéria secreta de que é feito o poema” lembrei-me de uma conversa de pé de orelha que tive com Epicuro ao fim da tarde na escola de Epicuro, escola que era um jardim, não esqueças. Alto aí, interrompi uma voz de mim que bem conheço, se falaste com Epicuro, saberás que a matéria é uma substância complexa que possui estádios muito diferentes, uma vida microcósmica, invisível. Então não!, retorquiu ela, prova disso foi o que ele escreveu numa pedra de xisto, que me enviou, e que guardo comigo, e onde se pode ler: “Pega num punhado de sal e mergulha-o na água: vê-lo-ás desaparecer rapidamente! Para onde foi? Terá sido aniquilado? Basta provares um pouco de água para sentir, pelo sabor, a sua presença, como a uva passa para o vinho e as flores para o mel. Se o mel repousar certo tempo, vê-lo-ás cristalizar-se! Se a água se evaporar, reencontrarás, fragmentada, a mesma quantidade de sal anterior à sua imersão! Nada se perde! Tudo se transforma, entretanto, de modo incansável...”. Desagrada-me sobremaneira, atrevi-me, a tua intimidade com Epicuro, mas adiante, posso então concluir que a matéria é um arranjo, que é uma composição entre pequenos elementos indivisíveis que o olhar não consegue captar e aos quais Epicuro chamou de átomos? Nem mais, respondeu, se matéria se dividisse até ao infinito, a realidade seria débil e sem fundamento, como bem explicou Epicuro numa carta a Heródoto. Hoje ficamos por aqui, implorei, a matéria epicuriana é muita areia para a minha camioneta. Como queiras!, concordou, em mim sempre mora e demora o pensamento autêntico, palavra de Epicuro. Embatuquei.

Comentários

Mensagens populares