Os pobres falam e a ação simplifica-se

Conheço-o há muitos anos, ainda até me lembro dele quando cavava dia sim dia sim numa mina à procura de água e minério, ganhava a vida com o suor do rosto. Há muito tempo conheço o Zé Sena, é um sábio daqueles! Quando ontem me viu, acordou para a vida e bocejou de boca aberta para reflectir. Pode lá ser!, boca, língua e dentes, tudo nele falava, e: é como os pobres, atirou-me. O que é como os pobres, Zé Sena? Os meus dentes, Luís, não achas que tenho dentes de pobre? Acho que tens poucos dentes e os que tens estão podres, respondi-lhe. O Zé fechou a boca e, mantendo-a fechada, sorriu. Depois perguntou: achas que sou eu que me esforço por manter os meus dentes podres ou não será que neste país é sina dos pobres terem dentes podres, Luís? Que queres que te diga?, arrisquei, creio que neste país é sina dos pobres não terem dentes e terem os dentes podres. Como queiras, atalhou ele caminho, mas, daqui a um século, vão descobrir o meu crânio e irão perceber que eu era pobre e que preservava os dentes podres, nessa altura passarei a ser importante, certo? Sei eu lá bem, Zé, anda daí comigo, vamos ao dentista, quem te paga os dentes novos sou eu. Estava a ver que não, Luís. Bem podem os de pouca fé dizer que não há destino, desabafei com os meus botões. Fantasiar estórias verdadeiras tem o seu quê, ripostaram eles.

Adenda - Pois claro!, e também!

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