Só a beleza salvará o mundo
Há
muito tempo que eu o sei e, céus!, só agora (que
sina!)
a ciência o diz, que olhar uma obra de arte estimula duas faculdades
(faculdades, hum!) no
cérebro humano, o intelecto e a emoção, a arte faz bem e cura, não te
parece que devias dar mais atenção ao que eu te ensino dia sim dia sim? Silencioso, fiz que não
ouvi a minha consciência, era ainda madrugada alta com muita chuva, é lá maneira de me acordar!,
claro que há muito sei que a arte faz bem, a arte cura, disso não
duvido, resmunguei. Que casmurro!, exclamou ela num dos seus melhores tiques, e: não levas a melhor, vais ter que (re)ouvir que o cérebro tem duas funções, uma é sustentar a vida e
a outra é provocar o desejo de viver (viver não é esperar que a chuva passe, viver é dançar à chuva), são dois sistemas (funções) complementares e necessários. Daí
que…, alimentei a conversa. Daí que só a beleza salvará o mundo,
retorquiu ela, porque são as obras de arte que esculpem o cérebro
fazendo que ele aprenda o que não sabe, enquanto, ao mesmo tempo, o
acariciam dando-lhe prazer e recompensa, um
fenómeno em que no domínio da música os estudos são multidão. E
no domínio das artes visuais também?,
interrompi interessado. E ela mui inspirada: também, óbvio, fui testemunha do
teu ritmo cardíaco e da tua temperatura corporal quando admiravas aquela
escultura de mim que sempre trazes contigo, baixou a tua produção de
cortisol, o teu ritmo cardíaco ajustou-se e o teu corpo acalmou.
Isso é verdade, interrompi, mas o que é aconteceu no meu cérebro nessa altura?
Oh pá!, tenho que te explicar tudo, suspirou,
a sério?!, nunca ouviste falar em serotonina e
em oxitocina? Fiquei quedo e mudo, e ela continuou de afogadilho: sei que sim, que
ouviste falar, adiante, tenho no entanto algo de novo a revelar-te, revelar-te
que é possível apreciar uma obra de arte pelas suas qualidades
estéticas, pelas suas proporções considerando a sua beleza e
amá-la
(ui a fusão
entre o intelecto e a emoção!, rimou, ups). Não pode ser!,
atrevi-me, dizes que é possível amar uma obra de arte?, será que entendi bem? Se tens dúvidas, respondeu ela em jeito comovido, pensa
em mim como uma obra de arte que
aprecias muitíssimo, em mim que até adoro o ar friorento das rosas, gosto tanto (quão tanto) de rosas!, que me dizes? Que sim, que é possível amar uma obra de arte,
exclamei siderado, o Giacomo Rizzolatti que se cuide, ainda insisti, mas de nada valeu. Percebi que, sem se despedir, já tinha dado às de vila Diogo e senti (sentir é a melhor forma de viajar) que ela tinha tropeçado num sorriso catita. Sempre a mesma, lúcida e livre. Como posso eu exprimir o horror que a desgraçada guerra em curso na Europa me causa?, ainda a ouvi perguntar-se. Ela é assim, e eu perto dela sou sempre aprendiz, que se há-de fazer?
Adenda - Recordei, e gostei.
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