O Sol é novo cada dia!
Li, meu admirador, li num dos fragmentos do pensamento de Heraclito que o Sol tinha o tamanho de um dos seus pés (seus dele, óbvio!); de certeza, são favas contadas, de certezinha que ele deu por isso quando um dia deitado na praia cumprimentou o Sol com o pé que tinha mais à mão, só pode ter sido assim, que lhe parece? Que tema interessante, respondi à minha consciência, que tema interessante arranjou para me provocar, mas não fica sem resposta, esta: foi assim que Heraclito, valorizando o papel do corpo, mostrou que a grandeza do mundo se escapa aos sentidos, seja, é a partir da opacidade turva que é a mente forja a realidade. Pois sim, retorquiu ela, mas desde Descartes que sabemos que o raio do Sol mede 700 000 kilómetros, o que equivale a mais ou menos 2 milhões de pés (menos para mais) do Heraclito; e, no entanto, continua a incomodar muitos e muitas (como agora sói dizer-se) o conteúdo daquele fragmento do pensamento de Heraclito, quer arriscar dizer-me porquê? Ora essa!, porque o tema é desafiante: à medida que o pé do Heraclito lhe ia tapando os olhos e retirando do seu horizonte o mundo visível, a mente não esteve com meias medidas: imaginou o tamanho do Sol do tamanho de um pé humano, arrisquei. Bingo!, exclamou ela divertida, foi mesmo assim que a mente do Heraclito forjou uma realidade objectiva. Saiba que o mesmo intuiu o George Berkeley (lá por volta de 1750) quando disse que viver é aprender a inferir impressões umas das outras, por exemplo, na rua molhada do amanhecer vemos a chuva nocturna. Então se assim é, atrevi-me, a realidade objectiva não existe, certo? Nem mais!, trauteou, a realidade objectiva (que não existe) passa a existir quando o sentido do tacto informa a mente da distância que vai da imagem visual à imagem táctil, Deus meu!, quão rica é a distância que vai da visão ao tacto, eu o sei, vida! E se nesta distância, como também pensa o obscuro Heraclito, se o corpo falar por inteiro (olhos, ouvidos, nariz, boca e pele), Jesus!, Maria!, Nossa Senhora do Livramento!, que realidade tão e tanto objectiva!, dentro da sombra da identidade existe uma mistura de memórias episódicas, imagens e hormonas. Embatuquei de vez, e ela: percebi, perdeu o pio, acontece não se amofine, quando tiver tempo e mais vagar leia este livro do George. Despeço-me com carinho redobrado, devo regressar à minha vida costumeira, mas que fastio!, adiante que se faz manhã e já o Sol no meu horizonte com linha de água anda à cata de mim, vida! O Sol é novo cada dia, e eu gosto e gosto, muito.
Adenda..., importa ter presente.
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