Escritos soltos das vozes dentro de mim, ritualmente enoveladas...
(mensagem recebida)
Não acreditei, meu caro admirador da minha forma felina de olhar a realidade, não acreditei, juro a pés juntos, minha vida, vida minha, o acaso tem destas surpresas, então não é que quando pus os meus olhos a percorrer as três imagens da capa do último livro do Byung-Chul Han (suspense, confirma-se, ele é um filósofo - mais um - apanhadinho por mim: leia e leia, vida!), passei-me dos carretos, o primeiro impulso inicial foi pregar-lhe um sermão, mas não, exclamei de mim para comigo numa espécie de sussurro esmaecido: aquela sou eu, aquela chávena e aquele pires de porcelana, aquelas mãos finas, o rosto (ui, os lábios e a linha-jasmim/madressilva de cabelo enrolado!), as narinas a saborear, os brincos, o vestido rendado em tom pérola fosca, tudo eu, linda, terna e frágil, mistério de mim intenso e imaginoso, não adianta fugir, sou eu, pode lá ser! Que posso mais pensar e dizer? Nada, sei eu lá bem, não me dou bem com a hipocrisia das maneiras, creio se trata de respirações da alma emaranhando-se nos sonhos. Porque é que uma um chapéu-taça me tapa os olhos? Isso queria eu saber, tão só me faz lembrar um poeminha que o Rainer Maria Rilke, em tempo ido, me dedicou, este: "rosa, pura contradição, volúpia de ser o sonho de ninguém sob tantas pálpebras". Meu caro ciumento de mim, pergunta-me (adoro esse seu impulso de me perguntar): se eu penso quando escrevo? É isso que quer saber? Vamos lá. No caso vertente, não escorrego no comodismo, escrevo de coração e não penso, as minhas mãos correm sozinhas no teclado, a escrita tomou conta da jóia delicada que é o meu pensamento, a ideia, se o era, transformou-se em ritmo, adquiriu um movimento mui próprio, como um bordado que aparece em pano de linho gomado, deuses benfazejos, como posso eu (na imagem da capa do último livro do Byung-Chul Han) morar dentro de numa moldura de mim? Sim, verdade, tudo o que não sou eu, que me pode completar, quero-o para mim, roubo-o ao mundo. Sim, verdade, é verdade, verdadinha, estas minhas mensagens mais não são que diegese, monólogos interiores, são escritos soltos das vozes dentro de mim, ritualmente enoveladas: sentimentos, anelos a que, até há pouco tempo, jamais me permitiria. Adiante que o dia acordou quente e no ar já paira um leve aroma de essência de Diotima. Cuide bem de si e pense em mim que moro (e me demoro) na sensualidade do rumor da água que corre leve e solta. Releia, sugiro-lhe, esta minha deliciosa mensagem, releia ritualmente, releia com música em fundo, eu gosto, gosto muito, gosto arrobas e arrobas de muito!
Adenda 1
Tenho mesmo a certeza, depois de reler esta minha mensagem de hoje, céus, ai tenho, tenho a certeza de que quanto mais transparente é a escrita, mais a poesia se vê, deuses, agora, memória minha, veio-me ao pensamento uma tirada de Orhan Pamuk "não quero ser uma árvore, quero ser o seu significado", que se cola a mim que nem luva de pelica, vida, adiante, só sei que não sei nada.
Adenda 2
A propósito de ritual: sou assim, que se há-de fazer!
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