Educação cívica
(Mensagem
recebida)
Assim,
meu caro, a modos de quem vai ficando paulatinamente agoniada, ouvi o senhor
Presidente da República Portuguesa tomar partido (militante) numa dura e
afogueada contenda partidária, a propósito da constituição do novo governo representativo
da vontade dos portugueses, manifestada em eleições legislativas no passado dia
4 deste mês. Correu ele o risco (lá saberá porquê) de deixar de ser considerado
imparcial na garantia do regular funcionamento das instituições democráticas. Adiante. Amanhã
passado, lhe direi, meu caro, mais do que me vai na alma. Hoje, autorize que o
confronte com um textinho (texto de 1915, já lá vão cem anos, Santo Deus!)
publicado na “Educação Cívica” de António Sérgio, páginas 32 e 33. Depois de o ler, teremos (ah
pois teremos) de trocar impressões. Eu sei, eu sei, a história não se repete... Vamos então ao texto.
“Escrevia Herculano em
1858, no belo tratado de educação cívica que é a sua “Carta aos eleitores de
Cintra”: “Quereis encontrar o governo central? Do berço à cova encontrai-o por
todas as fases da vossa vida, raramente para vos proteger, de contínuo para vos
incomodar. Nada, a bem dizer, se move na vida colectiva do povo, que não venha
de cima o impulso… Essa imensa tutela de milhares de homens por seis ou sete
homens é forçosamente absurda… É preciso que o país da realidade, o país dos
casais, das aldeias, das vilas, das cidades, das províncias, acabe com o país
nominal, inventado nas secretarias, nos quartéis, nos clubs, nos jornais, e
constituído pelas diversas camadas do funcionalismo que quer e há-se ser… Os
partidos, sejam quais forem as suas opiniões e os seus interesses, ganham
sempre com a centralização… A administração do país pelo país é a sua
realização material, palpável, efectiva, da liberdade na sua plenitude, sem
anarquia, sem revoluções, de que não vem quase nunca senão mal… A
centralização, na cópia portuguesa, como hoje existe e como a sofremos, é o
fideicomisso legado pelo absolutismo aos governos representativos, mas
enriquecido, exagerado; é, perdoai-me a frase, o absolutismo liberal. A
diferença está nisto: dantes os frutos que dá o predomínio da centralização,
supunha-se colhê-los um homem chamado rei; hoje colhem-nos seis ou sete homens
chamados ministros. Dantes os cortesãos repartiam entre si os frutos, e diziam
ao rei que tudo era dele e para ele; hoje os ministros reservam-nos para si ou
distribuem-nos pelos que lhes servem de voz, de braços de mãos; pelo partido
que os defende, e dizem depois que tudo é do país, pelo país e para o país. E não
mentem. O país de que falam é o país nominal; é a sua clientela, o seu
funcionalismo; é o próprio governo; é a tradução moderna da frase de Luís XIV –
l´état c´est moi, menos a sinceridade…”. E esse Mestre incomparável prosseguia:
“Não acuso ninguém em particular; descrevo um facto geral; não sirvo nem
combato nenhum partido: pago-vos com a franqueza um pouco rude da minha
linguagem a vossa benevolência.”
Meu
caro, ó meu caro, a bom entendedor,.. Tanto eu sei que até me comovo!
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