A vontade consciente é um sentimento e não uma força
Como é que
foi possível, como é que aconteceu, serendipidade à solta pela certa, só pode ter sido!
Não sabe, meu caro, o que seja a serendipidade?! Tem bom remédio, navegue nas
águas de Serendip e sempre atento à vida; e nunca se esqueça (dizia o Albert Einstein) que "a criatividade é o resíduo do tempo desperdiçado"... Manhã a amanhecer de mansinho, e já a única, a desconcertante fada
adoradora de água salgada, me acordava. Tão cedo, por favor, implorei, hoje fico a
manhã inteira na cama, preciso de dormir. Ai não fica não, ripostou de olhos felinos, prometeu ir tomar
café comigo no café da praia, fico aqui quietinha à espera que se levante e se
arranje; e, no entretanto, conto-lhe o que me aconteceu. Seja, anuí (gosto muito de
ir ao bar da praia com ela), já me levantei e já estou fazer a barba. Ora aí
está, nem mais, atrapalhou as palavras, aí está o que eu descobri, ora oiça:
pensou em fazer a barba e a sua mão agarrou a gillete, o seu pensamento
consciente causou a sua acção, verdade? Verdade, respondi. Errado, disparou,
está errado, meu caro; ou seja, entende a sua vontade consciente como uma força
que orienta livremente as suas decisões e as suas acções, mas está errado; está
errado porque a sua vontade consciente é um efeito secundário da actividade
decisional do seu cérebro (atenção e cuidado, o cérebro é um emaranhado neural com possibilidades quase infinitas, o que significa que consome muito tempo e energia a escolher aquilo a que não deve prestar atenção: daí que a criatividade seja trocada pela eficiência, seja, as pessoas pensam em prosa literal, não em poesia simbolista)... O que acaba de dizer (não são os pensamentos
conscientes que dão o impulso inicial às nossas acções), atrevi-me, é
absolutamente ilógico do ponto vista intuitivo. Até que não pensa mal, disse
sorrindo, só que está errado (e atrasado, veja se se despacha, já fez a barba, pare, agora não é hora, teremos a
tarde toda). Adiante, meu caro, continuou, vou direita ao assunto, descobri a verdade do
fenómeno quando ontem comia uma sanduiche de queijo. Traduzo, meu caro: o sentimento de
agir deliberadamente encontra-se (como o queijo entre os dois pedaços do meu pão saloio) entre a iniciação inconsciente da acção pelo cérebro e o movimento da sua mão. De outra forma, a sua vontade consciente de fazer a barba é um sentimento e não uma força. Como é que é? A minha vontade consciente de fazer a barba é um sentimento?! Essa é boa! Exclamei sem tino. Boa, boa sou eu, meu caro, ciciou; e, sim, volteou-se curvilínea, a sua vontade consciente de fazer a barba é um sentimento de agir deliberadamente para me agradar, e eu gosto, ai gosto, ui se eu gosto e gosto e gosto!
Comentários
Enviar um comentário