Ó céus!

Diga-me, meu caro, diga-me se não devo fazer barulho, e diga-me que não devo atirar à cara de uns quantos maduros a mensagem que o meu excelente parceiro de diálogos criativos, o meu admirador Fernando Savater, me enviou depois da longa conversa que tivemos em Florença, a propósito das próximas eleições europeias, diga-me se for capaz… Com os olhos grandes a faiscar, assim me apareceu manhã cedinho, a única fada que se indigna com todas as formas de injustiça, dia sim dia sim. Sorvi com avidez o seu perfil curvilíneo de qualidades mágicas, dei de barato que Savater fosse mais um dos seus admiradores, e pedi-lhe que me mostrasse a mensagem que ele lhe tinha enviado. Não mostro não, meu caro, respondeu, vou, isso sim, ler em bom castelhano e na minha melhor voz, ora oiça: "Resulta suicida consentir una política que solo permite hablar a los poderes de la macroeconomia y especulación financiera mientras condena al resto de los ciudadanos a una resignación acrítica o a una protesta desordenada y populista. Existen más ciudadanos que quieren ser escuchados precisamente como ciudadanos informados y no sencillamente como revoltosos vocingleros. La Unión Europea no puede desdeñar esas voces"... Mas isto aplica-se aos políticos portugueses, exclamei eu, de supetão; e percebi que era impossível que a razão se espraiasse, eu só (e apenas) a estava a ver a ela, e nada existia já..., a não ser uma intensidade de sensações desvairadas a fazer de bússola desnorteada. Claro que se aplica (por inteiro) aos políticos portugueses, olha a novidade, suspirou ela, divertida com a minha desorientação..., mas também se aplica aos mandões e mandonas da União Europeia; não me interrompa e oiça a última parte da mensagem do Fernando: "Permítame, para terminar, una evocación histórica ejemplar. Durante toda la tarde de su trágica colisión, al Titanic llegaron desde otros barcos numerosos avisos de que había peligrosos bloques de hielo flotantes en las aguas que navegaba. Pero el operador de radio del buque las ignoró y no se las comunicó al capitán porque estaba demasiado ocupado, recibiendo y enviando mensajes de los pasajeros de primera clase. Ya sabemos cual fue el resultado de atender solo a estos privilegiados e ignorar las justificadas voces de alarma. No volvamos a cometer el mismo error con esta nave Europa en que viajamos juntos los ciudadanos de nuestras democracias"... Ei, ei, alto aí, calma, olhe o seu coração, invectivou-me, amaine essa sua sofreguidão atiçada e rubra e atente no saber do Fernando Savater porque ele está cheinho de razão... Fitei-a, expectante. E ela, linda de viver, disparou em gargalhada contida e em saltinhos soltos: já chega de me admirar, cuidado, muito cuidado, sei bem o que lhe acontece quando colide comigo que sou uma Titanic de beleza suave e afrodisíaca... Ó céus!