Ela disse energia com picos?!

Já abri e já comecei (com um poeminha de mel coado) a escrever no meu novo caderninho de argolas e capa preta com um rabisco de linhas rectas (mas sabe que eu me desvelo em linhas curvas pois não sabe?!), meu caro; agora, pense só no que me aconteceu, dei por mim a re-ouvir o registo de uma conversa que tive com a Mara Dierssen e por sua causa; por sua causa que é um pouco preguiçoso na investigação criativa... Nem quero acreditar, disse eu de mim para comigo, que a única fada que sabe combinar vestido verde baço seco com meias pretas autónomas, me acorde fora de horas (duas horas da manhã) para me falar de um caderninho de rabiscos, não é justo. Meu caro, interrompeu-me, deixe lá o meu caderninho argolado em paz, e oiça o que a Mara sabe sobre a beleza da investigação científica; foi assim que ela me falou quando eu lhe disse que tenho uma crença profunda de que nunca morremos, nunca nos extinguimos, que vivemos muitas vezes e que somos protagonistas de muitas e variadas estórias, para atingirmos a perfeição. Fiquei curioso, ouvi e gostei do que ouvi, e recordei-lhe que conheço a Mara e que sei que ela pensa que nós percebemos apenas uma pequena parte da realidade, aquela realidade que pode ser descodificada pelos sentidos; e, insisti, que também sei que a Mara garante que é possível ultrapassar as fronteiras sensoriais porque o cérebro é tão plástico que pode aprender a interpretar sinais de luz infravermelha, sinais do campo magnético como fazem as aves e até sons de tipo sonar… Ui, ui, meu caro, exclamou divertida e interessada, sabe que (mais parecia que tinha todo corpo ao serviço dos seus olhos grandes curiosos) que penso que entre dois extremos (de um lado os genes e do outro a experiência vivida) é no meio que mora a realidade verdadeira da vida… Não creio que seja assim tão linear, provoquei-a. Claro que não é linear, disparou, nem eu disse isso; o que eu digo, imagine até onde a sua mente pequenina for capaz, desafiou-me, imagine dois corpos diferentes e que se amam: neles e em desvario de bússola avariada, os extremos passam o tempo à procura da realidade do meio que é dupla e diferente e fluída e quente e rosa e vermelha e flácida e dura; e que se espalha, dilata, cresce, explode, mingua, desaparece, estremece, enrubesce, agradece...; e quando se liberta das restrições físicas do corpo, é só energia com picos… Ela disse energia com picos?! 

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