Apanhei-a, descobri o seu segredo, segredei-me!
Confirmo e não volto com a palavra atrás, meu caro. Confirmo que o meu
maior objectivo sempre foi ser feliz e confirmo que sempre desejei conhecer, acordada
e a sonhar, o segredo da felicidade; e sei e confirmo que, em qualquer idade, há
apenas um requisito prévio: querer ser
feliz. Dia de sol, manhã a fazer promessas e uma fada de cabelo apanhado a
debitar sabedoria, era tão só o que me faltava numa sexta-feira de fim de Maio,
pensei comigo, enquanto mordiscava
cerejas enrubescidas. A que propósito, perguntei-lhe,
vem esta sua conversa em redor da vida feliz? Porque a última descoberta que
fiz, sorriu e suspirou, me deixou a
franja em desalinho, então não é que a felicidade alarga o tempo de vida em
oito anos! Vou apregoar aos sete ventos, interrompi-a,
a sua descoberta: basta querer ser feliz
e (zás catrapáz…) mais oito anos de vida “já cá cantam”. Ui, ui, ui, que
lerdinho me saiu, sibilou. Entenda, soletrou “entenda”, entenda que a receita para
ser feliz tem mais ingredientes, ora escreva com letra de se ler: ao querer ser feliz juntam-se 50% de capacidade de nascença, 10% de
capacidade de circunstâncias, 40% de capacidade de carácter e uma boa dose de
auto-estima em alta (com pozinhos de segurança e de estabilidade emocional q.b.);
polvilha-se com vontade de perdoar-se e embrulha-se em papel de uma (ou mais que uma) ilusão (com
objectivos e metas estabelecidos); e (muita atenção), sem medos, protege-se
cuidadosamente da inveja que é um produto tóxico. Olhei-a absolutamente espantado
(siderado, melhor dito), estava linda e segura e de cabelo apanhado em voltas conchas e ganchos vadios.
Perguntei-lhe, sem rodeios, onde tinha “pescado” a receita da felicidade que me
tinha acabado de dar. Sorriu e respondeu que eu pusesse de lado a ideia de
pescar a felicidade; o que eu devia, isso sim, era decorar a receita e pô-la em
prática. Mas disse mais: disse que há
muitos e muitos anos, Platão a desafiou (numa daquelas conversas sem fim, no
porto de Pireu) a explicar o facto de "procurar a felicidade" ser o principal
objectivo de qualquer ser humano… Foi a minha vez de sorrir e perguntar, em jeito de brincadeira: se conheceu Platão também privou com Sócrates,
verdade? Ajeitou a franja e, em andar curvilíneo solto acelerou o passo, pôs
as mãos trôpegas a dizer-me adeus, e rematou em tempo automático e rosto fino de cereja enrubescida: qual deles? Apanhei-a, descobri o seu segredo, segredei-me!
Adenda (mensagem recebida e rabiscada em quarto de página A4)
Pois fique sabendo que me divirto com os seus segredinhos mais ou menos
bem engendrados, meu caro. Claro que sou socrática, olha a novidade, nunca o escondi… Li com
atenção o que respigou da nossa conversa da manhã e sobra-me uma certeza: a realidade mora algures entre dois
extremos. Pense comigo. Há amigos (e amigas) neurocientistas, que me dizem
que um dos principais desafios da neurociência actual é entender até onde um cérebro
adulto é o resultado da função dos genes que o organizaram ou é o resultado do
que esse cérebro “viveu” desde que começou a funcionar. Ou seja, num extremo os
genes determinariam tudo e os nossos comportamentos teriam pouco a ver com o
que entendemos por vontade e liberdade de escolha; num outro extremo, os nossos
comportamentos seriam o resultado daquilo que o ambiente provocou no nosso cérebro
e do que o nosso cérebro fez ao longo da vida… Eu sei, eu sei, que gostaria de
conhecer o lugar (entre esses extremos) onde mora a sua realidade; não lhe vou
dizer o nome e nem as coordenadas do lugar (é um segredo socrático só desvendável
através da arte maiêutica), mas sempre lhe digo que é o lugar onde eu moro, onde me divirto e onde espero por si...
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