Sou mesmo perfeitinha, verdade?
Nem sei se lhe diga ou se lhe conte, ouvi a fada única a chegar e a suspirar (sem fingimento) manhã lusco-fusco. Eu estava acordado e a sentir o seu coração de vidro a bater ligeiramente acelerado.
Inclinou-se e sussurrou-me: obrigada por
me ter apresentado a Hipátia, estou fascinada com ela…, mas, coitada!
Coitada?! Perguntei admirado e com ar de quem acorda. Então
não sabe, respondeu-me, que ela teve
um pai autoritário que a queria transformar num ser perfeito? E como se não chegasse, continuou, deu-se de amores por um filósofo. Mas Hipátia foi um ser perfeito, retorqui, e ainda bem que foi; se assim não tivesse sido, não estaríamos agora a falar dela. Mas, mal que lhe pergunte, o que é para si um ser perfeito? Que dorminhoco atado, gracejou dizendo que Hipátia não foi um ser assim tão perfeito e que um dia me contaria o porquê... Para mim (imagine
só!), assegurou-me, ser perfeita é a pitada de sal que me transforma todos os dias; faz-me até lembrar uma velha alcunha
que me persegue… A pressão da sua voz (em aura dançante) fez irromper-me centenas
de afectos que desdenharam os meus esforços para os expressar; o que me levou a
gaguejar sílabas aos trambolhões: uuuumalalcucu…nha, quual? O rosto dela desabotoou-se num sorriso, as mãos perderam o norte e até a blusa de seda se abriu num "vê" peito, perfeito e a alumiar um atalho. Extasiado, pensei comigo que o melhor seria deixar a alcunha dela para outra altura: naquele momento, perfeitas e côncavas de lindas e tímidas, duas laranjas-romãs vivas e nectarizadas pediam-me emprestadas a concha das mãos e a ponta dos dedos. Aconcheguei as duas ao de leve e, enquanto o frémito delas me dizia que eu estava mesmo acordado, ouvi uma voz apaziguar-me com uma frase torta, quase comovida e armadilhada de simplicidade: gosto muito (mesmo muito), meu caro; assim se palpam e apalpam as minhas manhãs meninas... Sou mesmo perfeitinha, verdade?
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