Que estupidez a minha não ter percebido!

Ontem dei por mim, com saudades do futuro, a recordar uma pequena conversa que tive com um seu amigo, ali ao Príncipe Real, num restaurante vegetariano e com o Tejo na linha do horizonte, acordou-me era ainda escuro a única e sempre presente fada. Nem sei bem, continuou, se falámos de si, mas creio que não; embora ele e eu soubéssemos que a nossa conversa tinha a ver consigo e com a sua forma hesitante de estar na vida. Das duas, uma, interrompi-a; ou tem algo importante para me dizer, ou peço-lhe que me deixe descansar um pouco mais, dado que tenho um ouvido-mouco que me tem dado cabo do juízo. Evitou a minha interrupção e falando com a simplicidade que a caracteriza em dias-sim, disse que não ia prolongar a conversa comigo. Iria apenas ler o conteúdo de um postal dos correios que, dias depois daquela conversa, tinha recebido desse meu amigo. E, de olhos bogalhados de pérola, soletrou de levezinho e sem gaguejar: “Admirar a Natureza e não admirar a mulher que é a sua obra mais bela, e não a admirar, querendo-a, em tudo que ela é, espírito e corpo, é ser um poeta que faltou, na sua alma, à amplitude do mundo… George Agostinho o escreveu”. Fiquei sem fala e a pensar com os meus botões... Então não é que eu também tinha recebido um postal com os mesmos dizeres, acrescentados com uma nota sublinhada a azul cerúleo: “Conheci a obra mais bela que a natureza imaginou e criou; e também percebi que ela falava comigo, sempre a pensar em si; caro amigo, dê-me notícias ou apareça. Agostinho da Silva”. Que estupidez a minha não ter percebido! 

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