Solilóquio de fada-semente
Quando nasci,
atribuí-me um corpo, um rosto e uma voz, procurando um deus com quem me
identificasse. A todos os deuses (em número reduzido) que encontrei, desafiei
com o corpo, o rosto e a voz, numa exclamação provocatória: eu sou-te como tu me és. Moita,
carrasco…, nenhum deles me respondeu, nenhum deles entendeu que nos meus sonhos
faço batota com os séculos, para semear a alegria e a felicidade a rodos. Um
dia, há cerca de vinte anos, decidi-me (e deixei e quis) que acontecesse: todos os meus poros estavam abertos e
respiravam calor, doçura e cheiros; o corpo invadido, penetrado e poros vivos
respirando e tremendo de prazer. Depois errei e amei sem consciência,
dividindo os meus pensamentos em fragmentos: risquei o disco, quebrei a melodia. Acaso sabem o que é ser tocado
por um ser humano que não imagina o que seja (ou possa ser)
carícia-fluxo-desejo? Eis porque volto a querer e a procurar (nas minhas cartas
de ler o futuro e, no meu dia a dia, experienciando) um deus-humano que saiba
responder a minha constante provocação: eu
sou-te como tu me és. Quero uma vida onde existam folhas nas árvores, onde
haja água correndo á beira dos caminhos, onde haja luz, felicidade e camas de
penas: só aí eu serei semente, flor e
fruto na mulher-linda em que me esculpi. Mas, registe-se, irei manter
distâncias; e, daqui para a frente (e sempre com uma barra de música de 48
segundos a tiracolo), passarei as esponjas brancas do conhecimento sobre as
cordas dos meus nervos de ansiedade, lançando na terra o meu amor, o meu suor e
as minhas sementes com a alegria da fecundação. Ao longe, ouço agora um som de
realejo..., vou deixar que a vida siga o seu curso e que um deus me acaricie do
jeito da seda de andorinha. Eu quero ser semente, flor e fruto…
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