Sei-o agora e tenho a certeza
Fiquei encantada e de
alma enfunada, meu caro, ao receber o seu bilhete-postal, onde me dá conta de
ter encontrado a beleza feita gente. Imagine (a voz melíflua era da fada única sempre sincera) que eu ainda ando às voltas com a beleza encerrada
no Museu Nacional do Prado, em Madrid. Estou feliz, interrompi-a
algo encabulado, porque nesse bilhete-postal (ousadia extrema) tento recriar,
num texto leve, a sua forma e o seu feitio de ser e de estar na vida; ainda bem que
gostou, insisti, já que duvidei, até ao último minuto, que as mesmas palavras escritas,
descobrissem e dissessem, de si, o indizível: a
inquietude permanente, a interrogação constante, o gesto incansável, o culto da
sensibilidade no mistério de viver. Nem tanto, caríssimo, nem tanto ao mar
nem tanto à terra, sussurrou de
franja preguiçosa e camisa-menina de renda alvíssima, enquanto me garantia que sim, que é verdade que, algumas vezes, ela recria tudo à sua volta, captando a subtil vibração que faz da beleza vida. O meu ar pitosga de ouriço-cacheiro assustado, tanto a divertiu
que, encostando os lábios ao meu ouvido esquerdo, segredou: toda minha vida é um acto de criação…, eu
descubro, num tronco seco arribado à orla da areia, numa concha perdida ou numa
pedra solta, as formas que aí estão contidas; e, ao pegar-lhes com todo o cuidado, organizo-lhes a
sua beleza, a sua intenção de beleza que ninguém viu. Comovido, aflito e no mais espantoso dos silêncios (ela estava beleza feita gente e estava feliz), vendo-a afastar-se naqueles passos que mal tocam o chão e que têm qualquer coisa de bailado e de asa, pensei de mim para mim: eu sabia que ela era um
milagre mas nunca imaginei que fosse parente dos elfos... Sei-o agora e tenho certeza.
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