O código do segredo da inactividade do meu 5-HTT
Ontem, meu caro, soprou-me ao ouvido em voz melodia a minha fada adorada (ainda a manhã se espreguiçava primaveril),
passei o dia inteiro e ocupado no meu Centro do Conhecimento; encontrei-me, imagine só, com o meu
excelente amigo Robert Sapolsky. Tinha levado comigo, continuou dizendo, uns pastéis de nata (por vezes as carências de afecto atormentam-me, ouvi-a sussurrar) com que ele se lambuzou enquanto bebíamos um café na esplanada;
nem tive tempo para lhe sugerir uns pozinhos de canela e nem lhe consegui falar de umas verbenas lindas e amigas…Tenha paciência, interrompi-a de chofre, mas é um
desplante inominado acordar-me a esta hora, sabendo que durmo pouco e mal. Mas
quem é esse seu amigo?- Perguntei, deixando à mostra uma ponta de ciúme e espreitando a sua reacção. O Robert, respondeu
com voz melíflua e rosto ruborizado a condizer com uns brincos lindos, é um investigador do comportamento humano; fez vários trabalhos de
campo na savana africana e desenvolveu muita e aturada investigação de laboratório na Califónia. Foi aí, na Califórnia,
num passeio divertido nos jardins da Universidade de Stanford, que ele me anunciou, em primeira
mão (sim, admito que ele tem um fraquinho por mim), que tinha chegado à conclusão que 15% da população ocidental sofre de
depressão e que quem possui uma variante específica do gene 5-HTT, terá um
risco maior de sofrer dessa doença. Atento (muito atento), acordado e interessado, resolvi interromper, dizendo-lhe que só
assim será, se houver um meio concreto que potencie a acção desse gene. Claro que sim, minha adorada espécie de aranhiço cientista preguiçoso, gaguejou com ar radiante e olhos grandes felinos,
claro que é necessário um meio concreto; todos até sabemos que a depressão
deriva de uma perturbação bioquímica e que tudo aponta para a serotonina; isso mesmo,
ouviu bem, serotonina é um mensageiro químico no centro da investigação sobre
estados depressivos… Mas a descoberta fantástica do meu amigo Robert foi ter
identificado um gene relacionado com a depressão, ou seja, há um gene que
codifica uma proteína que determina quanta serotonina deve haver entre os
neurónios. Quer convencer-me, atrevi-me
a perguntar-lhe, que os genes são responsáveis por tudo, é isso que pretende? Meu caro, invectivou-me, feche os olhos,
descontraia-se e respire lentamente como se estivesse a meditar, descanse e tente perceber que eu disse exactamente o contrário; a sua pergunta acaba de fazer cócegas no meu cérebro e agora não me apetece rir, ouça: não se trata de um gene da
depressão mas sim de um gene que faz com que em determinados meios mais
geradores de stress, nos tornemos vulneráveis à depressão; certos meios podem
activar determinados genes. É óptimo e excelente o que acaba de afirmar! - Exclamei,
dizendo-lhe que eu não tinha esse gene porque não me sentia deprimido, mesmo quando
ela decidia acordar-me às horas mais intempestivas. Mas que precipitado mental
me saiu, meu caro, advertiu-me. O contrário é que é verdadeiro. O 5-HTT é um
gene que, há muito tempo (creio até ser hereditário e judeu, asseverou com uma desfranjada gargalhada), vive em si e que apenas não actua porque eu que sou fada, ao modificar
as condições existentes no seu meio ambiente atrapalhado e ao alisar o seu tempo perdido de vida e destino, faço com que esse gene permaneça
inactivo. Se assim é, então os genes só determinam certas coisas e estados específicos em meios mesmo muito concretos? – Perguntei embalado e sem cerimónia. Bingo e bingo! - Eu que escondo preces na ponta dos meus dedos para espreitar a vida (eu sou e vivo numa plural dimensão, física, mental e imaginária, não se esqueça), vou falar de si e do seu atormentado ciúme ao Robert, respondeu numa frase enrolada e quase comovida... E eu, deliciado, apreciando as curvas acentuadas do seu lindo vestido verde escuro que mais parecia um rio lindo de se deitar os olhos, descobri o código do segredo da inactividade do meu 5-HTT!!!
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