Está a esgotar-se a proverbial paciência do burro


“Atirar a albarda ao ar” é o título de uma exposição da obra de Júlio Pomar; exposição que desceu da Árvore, no Porto, para a Galeria 111, em Lisboa, e onde permanecerá até 9 de Março de 2013. Faço referência a esta exposição, para dar destaque ao facto de, na iconografia da obra de Júlio Pomar, o burro não ser um elemento novo mas, isso sim, ser um elemento constante. Acresce que a iconografia da obra de Júlio Pomar, é feita de bichos que são gente e o burro é mesmo figura de gente: não deste ou daquele indivíduo especial mas de toda a gente. Paremos um pouco para pensar. Se atentarmos na vida e na obra deste excelente pintor, percebemos facilmente que ele (também Júlio Pomar faz parte de "toda a gente") não deixa de atirar a albarda ao ar (salvo seja!), a partir do seu lugar de trabalho no seu território conquistado a pulso e a pincel. Não temos (infelizmente) o privilégio de assistir a esse delicioso momento criativo de atirar a albarda ao ar. Mas temos (quando visitamos ou revisitamos a sua obra), a oportunidade única de aceder aos resultados que são, sempre e em qualquer circunstância, uma singular pintura de um mestre sábio, arguto e livre.
Vem este parágrafo a propósito de, nos dias de hoje em Portugal, se ter decifrado um enigma, ou seja: todos os portugueses (que votam e que não votam), sabem ler e interpretar documentos importantes, redigidos em língua inglesa, que dizem directamente respeito à sua vida como indivíduos autónomos e que se prendem com o futuro de um povo com mais de oitocentos anos de história. Registe-se para memória futura que, na sua alta sabedoria e acutilante visão estratégica, os nossos governantes (e os políticos em geral), até já sabiam que esses documentos não precisavam de ser traduzidos para a nossa belíssima língua portuguesa. Esses documentos são: o célebre memorando da “Troika” em que Portugal se ajoelhou perante os credores da colossal dívida portuguesa, o documento do FMI sobre a reforma do Estado, a proposta para aumentar portagens em mais estradas, a maioria delas no norte de Portugal continental. De facto, são três importantes (e muito bem feitos, dizem!) documentos, redigidos num inglês técnico (e não só!) de alta qualidade; e, claro, de facílimo entendimento para qualquer um de nós, portugueses dos sete costados, já muito habituados a viajar pelo mundo com a língua inglesa a tiracolo... Para o que der e vier! 
A verdade porém é que, também para os nossos governantes (e como na leitura iconografica da obra de Júlio Pomar), um burro parece ser (e é!) "figura de gente, não deste ou daquele indivíduo mas de toda a gente". Se assim continuarem a pensar e se assim continuarem a agir, então:
- é imperativo que saibam que, nesta altura da crise financeira, económica e social (que alguns criaram, que outros não souberam prever e que o povo paga), toda essa toda gente (que o burro tão bem identifica), está farta das mentiras, dos sofismas e das falácias (deles e dos que os antecederam); 
- é prudente que saibam que "toda essa gente" já decidiu atirar a albarda ao ar;
- é avisado que tenham cuidado, que façam um seguro de vida e que se previnam, porque "toda essa gente" já está mais que preparada para a indispensável parelha de coices que eles merecem. 
Está a esgotar-se, dia após dia, a proverbial paciência do burro. A ver vamos, como um cego diria!

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