O carácter da cultura da modernidade tem a impressão digital da causalidade

Se menos uma causa se encontra em determinados dados 
mais deve ser procurada noutros
Para identificar, investigar, discutir e resolver um problema a chave está no confronto e no debate de ideias, para que as memórias se não apaguem... 
Para que o futuro se construa.

Sabemos que um grupo de pessoas não é a simples justaposição dos indivíduos que o compõem e também sabemos que um grupo de pessoas não tem a sensibilidade de uma só pessoa. Como poderemos, quando se trata de encontrar uma "verdadeira" causa e um "verdadeiro" culpado, descobrir "uma figura humana" que não se reduza ao rosto de um dos membros de um grupo? 
Aparentemente não podemos porque a nossa cultura descobriu que os decisores, sendo responsáveis, se tornam os culpados pelos acidentes, sem nada acontecer. E quando se encontra uma figura, um nome ou uma instituição, trata-se normalmente de um bode expiatório...
Quer a pergunta quer a resposta também são importantes porque nos revelam que a nossa cultura está doente devido à divisão parcelar do pensamento; está doente porque os especialistas (nos mais diversos domínios) se acantonam no seu domínio do conhecimento sem articular saberes; e está muito doente e em perigo porque não há lugar para um debate aberto, livre e democrático sobre as questões essenciais. 
Pasme-se e discorde-se, se for caso disso: mas é a nossa resignação que empresta poder àqueles que beneficiando das nossas vistas curtas não hesitam em sacrificar os outros para ganhar mais dinheiro e para fazerem toda a espécie de trafulhices. E como resultado da nossa cegueira psíquica em vez de provocarmos e de procurarmos (de forma aberta e serena) o debate público e o confronto de ideias, contentamo-nos em procurar os culpados, desejar que os responsáveis sejam julgados e ficar com a consciência tranquila sempre que se encontra um bode expiatório.
Porque assim somos e assim não devíamos ser, pensemos um pouco (para abrirmos um debate sério e honesto) a partir de um acontecimento que nunca mais se deve esquecer: Auschwitz não foi um acidente e não foi apenas um excesso do nazismo. Não, não foi.
Auschwitz interroga-nos sobre o carácter da cultura da modernidade. 
Obriga-nos a pensar que temos de estar sempre conscientes das nossas capacidades para mudar o mundo. Obriga-nos a pensar que o poder da ciência e das tecnologias tem de ser sempre gerido por referências éticas muito fortes que possam evitar que a ciência e a técnica (enquanto não incorporarem uma dimensão ética fundada no princípio da responsabilidade) possam conduzir a um desenfreado desregulamento de cariz utilitarista que pode tornar-se num atentado à vida e num atentado à nossa casa comum.
Nas memórias desses campos malditos de Auschwitz/Birkenau escondem-se e condensam-se todas as contradições das nossas sociedades modernas. Mesmo a ideia de progresso se torna pavorosa, pois até um médico como J. Mengele não se considerava um criminoso quando por exemplo, entre outras atrocidades, injectava tinta azul nos olhos das crianças: pensava ele que era um médico e um investigador (as suas experiências em seres humanos eram financiadas pelo regime nazi) que procurava fazer avançar a ciência (hipocritamente tentam-se desculpas hoje, dizendo que não tinham carácter científico!) e que tinha como objectivo perceber as raízes biológicas dos comportamentos humanos, considerando, nas suas actividades científicas e hediondas, válido e fiável o "método experimental".

Que ninguém deixe de pensar e de agir e que ninguém esqueça.
Para que o futuro se construa!

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