Houve um tempo em que Deus media o mundo com um compasso


Olha a imagem que hoje te mostro como um mote para iniciarmos uma conversa catita e culta, trata-se de uma espantosa ilustração de uma Bíblia medieval (1250) moralizada, é uma imagem identificada "Deus mede o mundo com um compasso", precisará Deus de um compasso para medir o mundo? Há limites!, disse de mim para comigo, a minha consciência passou-se dos carretos, pensará ela que não tenho mais nada que fazer?, vou responder-lhe torto, aí vai: se existir um relógio tem que haver um relojoeiro, certo? E ela: errado, se soubesses umas coisitas sobre evolução, sobre caos matemático e sobre teorias da complexidade, não terias dificuldade em constatar que essa tua inferência é falsa, respondeste-me torto, não me parece bem, adiante, embarca suavemente na música do tempo de Afonso X (1221 - 1284) para viajares até ao ambiente da Idade Média, fixa agora de novo a imagem, claro que o Afonso X conhecia a imagem, vamos conversar? Vamos lá, vamos a isso, respondi, logo à cabeça parece-me ser um paradoxo (patético) que Deus tivesse de recorrer à matemática para (re)conhecer uma obra que é sua, um Deus geómetra!, pode lá ser! Concordo contigo, interrompeu-me, mas consegues encontrar uma explicação para esse teu dito paradoxo patético? Penso que sim, atrevi-me, penso que o atrevido Nietzsche estava certo quando disse que os seres humanos criaram Deus à sua imagem e semelhança, daí que seja lógico que os inventores de Deus vissem nEle as suas próprias limitações e assim o convertessem em geómetra. E ela divertida (hum!): não está mal amanhada a tua explicação, mas a lógica metida no assunto deixa-me uma pulga atrás da orelha, a lógica não pode ir para além das suas consequências. Ou seja..., arrisquei. Ou seja, continuou ainda mais divertida, se num exercício lógico de linguagem eu disser "os seres humanos inventaram um artefacto que serve para se sentarem no chão mas um pouco mais acima", qual é o nome do artefacto, sabes? Não sei, respondi, diz lá tu qual é. E ela (já com um sorrisinho jocoso a assomar-se): prometo que digo, digo o nome do artefacto no dia em que decidires que podemos ter uma conversa acerca daquela ilustração medieval, uma ilustração medieval em que um Deus traquinas (que bem lhe vai o pé direito fora do quadro!) mede o mundo com um compasso. Mau mau, ripostei, o que é nós (tu e eu) estivemos a fazer nestes últimos minutos? A desconversar, ora essa!, rematou ela. Curioso e intrigado, troquei alguns pensamentos com os meus botões, e eles (que finórios!) disseram-me que o nome do artefacto é albarda, será que ela me estava a chamar burro? Não quero crer, mas na próxima conversa quero a desforra. Cresce e aparece, as coisas importantes da vida são importantes, ainda a ouvi ciciar, seja eu ceguinho de gota serena se não ouvi, ela não dá ponto sem nó, que sina a minha!

Adenda com memória.

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