As coisas importantes da vida são importantes

Há pouco ouvi um personagem de um filme dizer que as coisas importantes da vida não são fáceis. Será uma frase feita? Será uma frase verdadeira? Eu estou inclinada a responder que sim, mas a minha vida não serve de exemplo de coisas simples ou fáceis. Por isso não sei a resposta. Por amor de Deus, respondi eu à sempre única fada presente cada minuto na minha vida, tenha paciência, a esta hora da manhã, não consegui ainda pregar olho e só a pensar em si, e decide que devo ser eu a esclarecer se as coisas importantes da vida não são fáceis. Meu admirador de mim como sou, ciciou-me, já tenho vontade de dormir, vou enrolar-me neste seu lençol de linho cardado em roca antiga, deixo cair as pestanas de mansinho e vou ouvir o seu pensamento que me ama. O cretino do meu lençol de linho, enroladinho nela, estava molengão, eu só via curvas, e ela sorria ao de leve, felina. Seja, senti-me a falar, oiça então o que penso. Frase feita, sim, é, e é antiga. Essa frase feita é filha da técnica de comunicação, técnica que não sabe criar novas frases feitas; e, por essa razão, não prescinde das antigas: e é nesta duplicidade de uma vida diferente e de uma vida trazida do passado que medram os males do mundo. Ela, linda de dormir, voltou-se para me ouvir, bugalharam-se-lhe os olhos misteriosos, e: então é apenas uma frase verdadeira no sentido em que torna as ideias transitáveis, não mais do que isso, seja, as coisas importantes da vida são importantes (constatação lapaliciana), é isso mesmo: e sorriu e sussurrou, escudada num hã, hã, hã: uma frase feita é um silêncio às avessas. Aturdido e aparlemado, preparava-me para perorar acerca das definições parciais que se dão do ser humano, assim como assim sempre desatava a língua. Ainda consegui dizer que (para uns) é a libertação da mão e a fabricação de ferramentas que é própria do ser humano; que (para outros) é a linguagem; que (para outros ainda) é a religião. Mais ainda. Arrisquei dizer que só explorando três domínios do saber (a etologia, as ciências cognitivas e a pré-história) seria possível desvelar as origens do pensamento humano e a sua capacidade de imaginar mundo possíveis, alguns dos quais se tornam realidade. Talvez não acreditem, mas seja eu ceguinho de gota serena se não foi o que aconteceu, o cretino do meu lençol de linho, não esteve com meias medidas e, com ar feliz, disparou: anda para aqui, deixa-te de filosofias, não sejas palerma, as coisas importantes da vida são importantes…

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