Percebi imediatamente: afinal o burro sou eu, grande sorte a minha!

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Esta manhã sonhei um sonho elemental (mas ramificado), ponho agora a fluir em escrita a memória desse sonho. Assim... É hábito antigo falarem mal de nós, disse-me um burro ladino, enquanto, divertido e curioso (manhoso e traquinas), fixando-me com olhos brincalhões posava para uma fotografia com dois parceiros de uma esforçada caminhada matinal. É hábito compararem connosco tudo (e todos e todas) o que seja palerma (ou quejandos), continuou ele após piscar os olhos à primeira luz do flash, por vezes até usam as corriqueiras expressões "burros e ciganos" e "burros de carga". Artilhava eu uma resposta (registe-se que responder a um burro é um sinal de inteligência, não é nada fácil, é preciso ter estudos), e nem tempo tive para dizer um "penso que". Meu amigo, incentivou-me ele, siga o seu caminho, admire a paisagem e saiba onde põe os pés, tenha cuidado com esse bloco de matéria (atrevida, movediça e nada consistente) à sua esquerda, veja lá, não escorregue, muito cuidado, se não estiver atento, ainda, num descontrolado bate cu, se estatela ao comprido, é certo e sabido, são favas contadas. É bem verdadeiro o ditado (os dizeres costumeiros são máquinas de pensar), é mesmo muito eficaz o ditado "quando um burro fala os outros amocham as orelhas", disse de mim para comigo. Segui em frente, contornei o bloco de matéria escorregadia à minha esquerda, pensei que não somos feitos de carne e osso mas sim de tempo, de fugacidade (a água é a metáfora que melhor o ilustra, alô Heraclito!) e, no cume verde (maciço e firme) da montanha onde um rio tem o berço, ri-me a bom rir, ri-me a bandeiras despregadas no preciso momento em que o meu pé direito, perto de umas abelhas a repetir colmeias ao som da música de uma flauta mágica, me mandava uma mensagem parecida com uma oracular dor de alma, seja ela (ipsis): não há uma só coisa no mundo que não seja misteriosa, a tua fada é uma dádiva e é a beleza em odalisca, e os deuses sábios (e tolerantes) não escandem mistérios. Percebi imediatamente: afinal o burro sou eu, grande sorte a minha!
Adenda
... com música e memória.

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