Eu não represento, pergunto...
(mensagem recebida)
Que quer, que quer, meu ainda e por enquanto preferido admirador, dei ontem por mim, pode lá ser, dei por mim a pensar, digo, a vasculhar um caderno de desenhos do Eduardo Chilida (um caderno tipo o meu, de desenhos e de aguarelas). Não sabe quem possa ter sido Chilida? Tem bom remédio, pesquise, agora o tempo escorre-me nos dedos para escrever e não o vou desapontar (ao tempo, não a si, é óbvio). Foi assim, achei o caderno admirável e rapinei uma página (que lhe envio) com um desenho que me chamou a atenção, e digo porquê. Aconteceu, seja, pus os meus olhos faróis a alumiar os rabiscos e, záscataprás, suspirei: pois sim senhor, o Eduardo Chilida tinha razão quando dizia (tal qual eu) "eu não represento, pergunto". Só que, e no só que é que mora o busílis, intuí, que quer, intuí, que os desenhos são anteriores à fala. Nossa Senhora, nem me conheço, então (na longa história evolutiva dos seres humanos) escrever (céus, as pinturas rupestres são idênticas aos desenhos dos autistas), repito, escrever acontece primeiro e só depois, a reboque, vem o falar? O escrever com desenhos é a metade primeira e invisível do falar? Minha vida, ui, ai Noam Chomsky, coitadito de ti Chomsky! Porque é que eu nasci assim, vida minha! Adiante, e a talhe de foice: não lhe disse ainda, mas adoro a beleza das pequenas coisas e dos acontecimentos fortuitos. Sei que sim, claro que sei, sei que a beleza é o olhar que está no lugar (rimou, ups) das coisas vistas. Não percebe? Explico, céus, logo hoje que o trabalho me não larga. Vamos lá então: pense na intensidade do beijo do Klimt ou na luminosidade da noite que Gogh imaginou ou (andam por aqui ous à solta, pirem-se), e demore-se algum tempo na persistência da memória de Dali. Pensou, olhou, viu? Tudo bem, a sua mente não o engana, faz muito bem em pensar em mim, eu sou um (o melhor) exemplo vivo de um lugar onde a beleza mora no seu olhar. Isso, é isso mesmo, primeiro sou o meu corpo no mundo, depois sou a minha mente no universo, finalmente sou um espírito nos multiversos. Surprendido? Não! Como é que me mantenho tão viva e tão perpicaz (aquilo a que se chama brio)? Ora essa, resposta simples e rápida, aguente-se nas canetas, aí a tem perfumada de amanhecer: recorro à ciência para manter o meu corpo perfeito, peço à filosofia que nutra a minha mente, negociei um contrato com a arte para manter vivo e acutilante o meu espírito (não gosto de medíocres e nem de lambe botas). Que quer, sou linda e inteligente e polímata e misteriosa e divina, sou corpo, mente e espírito; e, refinada pelos seus ciúmes de mim, quer prova mais cabal, eu, que sou um eco da pureza do ar liberto da ordem do tempo (gosto e gosto que me respire com música por perto, que calor, que atordoamento, vida!), eu, esmeralda de sangue, também não represento, pergunto.
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