O Sankofa tem a ver com o "Angelus Novus" do Walter Benjamin?
Contaram-me
(e eu acredito), contaram-me que existe um pássaro no mundo da
mitologia de um grupo étnico de África (o povo Akan que vive no Gana, na Costa do Marfim e no Togo), um pássaro com o nome de Sankofa - San/retorno, ko/vá, fa/pegue - que sempre voa olhando para trás para saber de onde vem, mas sempre com as patas para diante para saber para onde vai. Rapinei uma peça de arte que o representa e projectei-a na sua parede branca deste seu quarto mágico, é linda, pois não é?, aquelas cores são a minha perdição, são miró, acorde, já é manhã, não seja calão. Conheci a voz da minha consciência, acordei, olhei e apreciei a imagem que enchia a parede branca do meu quarto, e ripostei: ou me engano muito ou está tentar dizer-me que é tão importante (na vida) encontrar começos quando espiolhar desvios, que para viver nos futuros há que ter em conta os passados, que a busca de conhecimento se baseia no exame crítico e na investigação inteligente (e paciente), que há que ser nómada e fazer acobracias na busca do conhecimento, certo? Justamente!, exclamou ela, e, registe, com maioria de razão neste tempo de pandemia Covid-19, um tempo que nos obriga a recorrer ao conhecimento científico, mas que também nos abre as portas para novas-outras perguntas metafísicas sobre a origem e sobre o sentido da vida, sobre os recursos da evolução e os paradoxos da identidade. Refere-se, interrompi, ao facto de tudo estar em mutação acelerada e ao facto de não haver vida sem um desafio à identidade? Nem mais, assentiu, mas há mais: o Sankofa tem um corpo volátil e tem um difícil equilibrio postural, assemelha-se em tudo ao sistema da arte. Como diz? Atrevi-me. Digo, retorquiu, digo que o sistema da arte (não esqueça que as primeiras obras de arte têm apenas cerca de 42 000 anos) é também um corpo volátil e com difícil equilíbrio, até mesmo anárquico, e é um sistema inseguro por natureza, que cria novas ideias que são fruto de um esforço colectivo da Humanidade, mas é um sistema hostil que não dá guarida a quem nele se pretende esconder, dado que ninguém conhece a barreira onde termina o real. Inseguro, ainda arrisquei: diga-me, por favor, se o Sankofa tem a ver com o "Angelus Novus" do Walter Benjamin? E ela divertida: assim como assim um e outro têm asas, pois não têm? Se isso é resposta que se dê, disse eu aborrecido, vou ali e já volto, que mania a sua de esfarelar as perguntas quando não quer responder! E ela, de bom humor: é que eu sou assim, vida, vou ter um dia mui difícil, amanhã passado lhe responderei, com muita calma como convém. (...) Que guicha e pítica e esquiva é, pensei intimamente.
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