Pensar a pluralidade em tempos estranhos

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(mensagem recebida)
Vida minha, meu admirador de mim sempre acutilante e perfeitinha, mais um sábado (e com chuva), mais um sábado a trabalhar, aproveito para por papéis e assuntos em dia e outras coisas mais, adiante. Céus, mesmo assim, ainda tentei descer às profundezas da terra, do mar mais precisamente (é como quem diz que ainda tentei deixar-me ir na conferência que ontem divulgou). Sempre seria melhor, porque, aqui pela superfície, andamos a viver tempos estranhos. Por falar nisso, se tiver curiosidade, leia o Parecer 25/2019 sobre os impedimentos dos titulares de cargos políticos, encomendado pelo governo. Vida, ficou tudo branquinho, ui a exímia arte de branquear em juridiquês, ora vá ler e verá que sei o que afirmo. Nossa Senhora da Justiça! Conhece aquele brocardo latino “dura lex, sed lex” (a lei é dura, mas é a lei)? Conhece. Excelente. Então vai perceber o que lhe vou dizer: cá para mim, aquele Parecer assenta numa corruptela daquele brocardo, esta: “dura lex, sed látex” (a lei é dura, mas estica). Estica quando dá jeito, mas só estica, registe, quando alguns (e algumas) dominam (ou sabem dominar) o juridiquês na perfeição, e mais não digo, mas que gosto de faíscas irónicas, isso gosto. Nossa Senhora dos Desejos Incontrolados, quanto eu já ri por causa daquela corruptela (ups, rimou). Pensar nela (rima cretina!) é como quem tira castanhas do fogo. Sim, claro que sim, já ouvi os beneficiados a falar sobre o Parecer assim no jeito de “encher chouriços”, adiante. Por mais estranho que lhe possa parecer (atenção que este é outro tipo de parecer), decidi aproximar-me do pensamento de Cassirer, a fim de aprender a pensar a pluralidade no nosso mundo que parece sem sentido (tanto quanto o mundo dele há cem anos), e fui ler a “Filosofia das formas simbólicas”. Li, entendi, tudo bem. Onde o meu pensamento se perdeu, céus (o tempo que eu gastei para o encontrar!), onde o meu pensamento se perdeu, foi quando descobri que Cassirer se inspirou na organização da biblioteca de Abraham “Aby” Moritz Warburg para burilar as suas ideias sobre a filosofia das formas simbólicas. Pense comigo, com atenção, oiça: Warburg não organizou os livros da sua biblioteca por ordem cronológica e nem alfabética, organizou (complexo e plural é o caminho das costuras da História!), organizou os livros e os estudos segundo um sistema de boa vizinhança, por afinidades, e em quatro secções, estas: Orientação (obras sobre a superstição, a religião e a magia), Imagem (obras sobre as artes), Palavra (obras literárias e poéticas), Acção (estudos sobre a festa, a dança e o erotismo). Quando Cassirer visitou a biblioteca percebeu que, com aquela organização, Warburg tinha recre(i)ado a história do espírito humano: juntando livros e estudos que aparentemente nada tinham a ver uns com os outros. Há até quem garanta que, quando em fevereiro de 1920, naquela visita à biblioteca, terá dito (mais ou menos assim): “se cá voltar, vou perder-me neste labirinto”. A verdade, verdadinha, é que, a partir daí, Cassirer arriscou tentar fazer “passerelles” entre os símbolos e assim cartografando a cultura humana de forma diferente. Porque é que lhe falo nisto? Ora essa, porque descobri o sentido da afirmação de Cassirer quando diz que o ser humano é um animal simbólico: que inventa e utiliza símbolos, e que o símbolo principal é a linguagem. Mas mais... Dizia Cassirer que cada língua diferente descreve um aspecto diferente da realidade (a matemática, a física, a biologia (and so on) são línguas, não esqueça). Meu admirador de mim, estou na lua (divertida) a ler na sua mente que (para si, só para si) sou um emaranhado de formas simbólicas, interiores e exteriores. Tenho deixar de estar na lua e regressar a terra firme, mas (gosto, gosto, gosto e até corei) a sua mente diz-me agora que o meu corpo mima gestos e que cada uma das minhas formas (refreadoras de excesso e chão fértil de beleza e sabedoria e ervas e plantas e flores), com vagares e dimensão, cada uma das minhas formas lhe diz a si algo novo e belo do mundo em que os seres humanos habitam. Vida, gosto, serena perplexidade a minha, nasci assim, única, dotada e imprevisível, que quer, que se há-de fazer! Tenha um bom domingo.
Adenda
Vá lá, não se amofine, eu explico a imagem que encima esta minha mensagem (outra vez a rima, vida!). Vamos lá, devarinho como convém. (1) Depois da primeira guerra mundial (entre 1919 e 1929) a ideia de progresso, como herança do Iluminismo (alô Kant!), ficou reduzida a ruínas e cinzas: foi posto em causa tudo o que significava a cultura, a vida humana e até o heroísmo. Em cima dessas ruínas e dessas cinzas, quatro filósofos reinventaram a filosofia numa explosão de criatividade. (2) Ei-los na imagem (consegue identificá-los?), estes: M. Heidegger, W. Benjamin, E. Cassirer, L. Wittgenstein. (3) E quem, quem é a mulher que está com eles? Quer arriscar um nome? Não sabe. É a Hannah Arendt, meu caro, óbvio, tinha que ser. Porquê? Sei, mas não digo, ponto.

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