A espiritualidade também é uma faculdade mental?
Nada disso, nadica de nada, nem pense, essa sua ideia não tem
pernas para andar. Com o calor que estava, juro, até pensei que estava a
sonhar, mas não: era a mesma, sempre a mesma fada e cada vez mais guicha, era
ela torneada e mais uma vez de túnica azul com punhos vincados e olhos faróis a iluminar o lusco fusco.
Precipitou-se, respondi-lhe, seja: a minha ideia de explorar a metáfora "O
moinho de Leibniz" tem a ver com facto de perceber (tão só) se o cérebro é
apenas matéria. Pois sim, ciciou enquanto me rapinava o meu único lençol de linho
velho, sei bem que essa metáfora é uma confutação da tese de que o pensamento é
gerado pelo cérebro (registe que a expressão "o cérebro pensa" é um
oxímoro), mas, inisistiu, Leibniz estava errado: o que conta são as interacções
que se estabelecem e das quais emerge o pensamento, imagine que em vez de um
moinho ele tivesse escolhido a metáfora de um formigueiro, tudo seria
diferente. Adiante, suspirei, consigo por perto todo eu sou formigueiro, até os
pensamentos são trambolhos, importa é agir, desentorpecer pernas e braços,
afinal, questionei, diga-me: o cérebro é ou não apenas matéria? Claro que não é, trauteou,
claro que não é, como poderia o cérebro ser só matéria se ele gera a espiritualidade? Sorri divertido, e disparei sem tem-te nem mas: gera a espiritualidade, não me
diga! Não se deu por achada, e: a espiritualidade (um conceito mais amplo que
religião) é uma faculdade mental como a inteligência e a linguagem também o são; e na espiritualidade das coisas também eu habito. Embatuquei sem apelo nem agravo e dei asas ao tempo e liberdade aos pensamentos contidos, quando atentei na imagem que ela me mostrava: o cérebro a fazer de balão, brincadeirinhas de fada ternurenta. Ainda me
recordo de que falamos de uma segunda realidade, daquela realidade em que sentimos, pensamos e somos: realidade onde o suor e
a alegria unem o corpo e a alma em momentos únicos e alongados, curtos e compridos. Escusado será
dizer que o meu preferido (e único) lençol de linho velho já não é meu, é dela.
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