O quê?! O que é que ela quis dizer?!

Digo-lhe, meu caro, ai digo, digo. Digo-lhe que estive a matutar no seu poema “Contemplai uma mulher”, e (oh vida a minha!) não é que me senti impressionada e até me sinto inteirinha lá dentro… Eu, incrédulo, fiquei de cara à banda com esta intempestiva interrupção (à minha leitura concentrada de Sólon) da única fada que, em dias abafados de chuva-moinha, usa sapatos rasos no tom vermelho dos brincos argolados. Sou todo ouvidos, declarei-lhe, olhando-a fixamente e pedindo-lhe que fosse um pouco mais precisa. Não sou capaz, ciciou-me no meu ouvido zonzo… Não sou capaz, continuou, tão emocionada me sinto com o facto de o poema ter desvendado a minha mente; aproveito apenas para lhe citar três frases de três meus amigos (de tempos diferentes), pense nelas e convide-me para uma tarde de conversa ao sol de uma praia fluvial; estarei, até lá, mais disponível para falar consigo. Arranjou a franja em desalinho e soletrou de mansinho: a primeira frase é do Descartes - penso logo existo - ; a segunda frase é do John Lennon - a vida é essa coisa que acontece enquanto tu fazes outros planos - ; a terceira frase é do David Eaglement - só uma minúscula porção da nossa vida mental constitui parte da nossa consciência - . Calei-me a pensar... E ela, ignorando-me, continuou dizendo que o último livro do seu amigo David - "Incógnito, as vidas secretas do cérebro" - abre paisagens inexploradas no pensamento político, jurídico, social e filosófico... Tão interessado me mostrei em ler o livro que ela me confidenciou, em jeito "vai adorar": o que o livro do David pretende é ensinar a pensar sobre "a gente, os mercados, os segredos, as strippers, os planos de reforma, os delinquentes, os artistas, Ulisses, os bêbados, os jogadores, os atletas, os detectives, os racistas, os amantes e todas as decisões que consideramos nossas". Ou me engano muito, disse-lhe perguntando, ou vai uma enorme confusão na sua cabeça, como é que um livro pode ensinar a pensar sobre coisas e pessoas tão diferentes? Aposto que ela não deu atenção à minha pergunta porque a ouvi soliloquiar: ele ainda é do tempo do Descartes, ainda está convencido que a alma se liga ao corpo num ponto especial. Se o ele sou eu, ripostei, claro que sei que esse ponto especial é um nó vital... Riu-se a bom rir, divertida e galhofeira e no seu melhor e estudado ar de fada guicha, sentenciou, desfranjada: vá lá, não seja calão, regresse a Descartes, ouça a música do John Lennon e leia o livro David; se assim acontecer, prometo que lhe atribuirei nota dez... Esfanico-a, prometi-me, então ela brinca com coisas tão sérias só para me provocar? Eu disse "nó vital" e não  "nove e tal", invectivei-a! Se disse, disparou, então confirma-se que "nove e tal" é muito, mesmo muito, mesmo muitíssimo, para as suas capacidades! O quê?! O que é que ela quis dizer?!

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