Para debater é necessário saber
P- Qual o modelo
de educação que propõe?
R- Um projecto
educativo deve absolutamente evitar a noção de modelo. Somente nos períodos
ditos arcaicos, a que chamamos totalitários, é que se tem uma visão monolítica
da educação. É por isso que eu sou resolutamente e injustamente antipedagógico.
Tenho medo de todos aqueles que têm receitas para educar, para "formar um
homem". Não há modelo de homem a não ser no discurso dos teólogos. Um
modelo é perigoso porque é limitativo. Restringe não apenas as possibilidades
de felicidade, mas ainda as oportunidades de liberdade. A única unidade do
homem, que eu conheço é biológica. Quanto ao mais, apenas vejo homens. A boa
educação é justamente aquela que preserva esta pluralidade, que se propõe manter
o plural do ser humano. É por isso que eu digo "educar as pessoas" -
os "numerosos", como dizia Platão, e não "formar o homem".
P- Por
conseguinte, esta educação não se baseia numa ideia do homem, mas numa certa
concepção da sociedade.
R- O que eu digo
não é válido evidentemente para todas as sociedades, mas apenas para as
democracias. Para aquelas que se baseiam na deliberação e que concedem muita importância
ao conhecimento. Para debater é necessário saber. Por outras palavras, se sou
partidário da instrução, não é por motivos tecnocráticos, mas por razões
políticas. Vivemos com os outros, e é com os outros que temos de examinar e
discutir os fins colectivos, os fins enunciados em termos claros e explícitos.
Isso torna-se imperativo se queremos evitar os mal-entendidos e as
manipulações. O essencial da educação diz respeito, por conseguinte, à
transmissão dos conhecimentos. Não para produzir politécnicos, mas para que
cada qual se forme na relação ao outro. Além disso, há no conhecimento algo que
penetra profundamente na existência, que lhe dá mais gosto e a torna mais
feliz, mais consciente de si própria e ao mesmo tempo, por vezes, mais dolorosa.
P- Fala de
conhecimento…, faz distinção entre a instrução que transmite os saberes e a
educação que forma?
R- Sim e não.
São os pedagogos que endurecem uma tal distinção. Eles são contra a instrução,
não se preocupam com o facto de que as pessoas saibam alguma coisa. Dão a
entender que em certos tipos de relações interpessoais acontece algo parecido
com uma comunicação de alma a alma, pela minha parte, creio que a linguagem do
conhecimento continua a ser o melhor meio para comunicar. Por conseguinte, na
educação há uma espinha dorsal -a instrução - à qual se ligam, sem a ela se reduzirem,
as outras modalidades de formação. Penso, em particular, na formação física.
Não falo da ginástica sueca ou do jogging, mas da aquisição de uma espécie de
inteligência do corpo.
P- E a
instrução?
R- Incluo nela,
ao lado do saber-fazer e do saber-pensar, aquilo a que os velhos manuais de
filosofia chamavam o conhecimento desinteressado: a matemática, a poesia, a
filosofia, a história, por exemplo.
(Excerto de
entrevista com o filósofo François Châtelet…)
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