"Que quererá ele?"

A manifestação política mais compungente e desanimadoramente sintomática desta monção achasvacada em que há muito navegamos, é o prurido de encontrar em tudo quanto se diz uma segunda intenção. Tanto queremos ler entre linhas, que treslemos.
Perdeu-se a noção comezinha de que também se pode falar para dizer o que se pensa, pacatamente, sinceramente, à boa razão?
A fórmula indigesta do “que quererá ele?” penetrou-nos de modo a não se conceber que se não queira cousa alguma. Os ladinos piscam o olho, encolhem o mento, franzem o lábio, engatilham o sorriso para a gente, e de malícia amável, numa pirueta, exclamam com ares quási mágicos: um gajão!
Ninguém admite que se fale sem se levar água no bico. Tudo são piadas. Ninguém consegue que se emita um parecer sem que por detrás dele esteja uma carapuça, ou algum interesse reservado.
Se se critica, é despeito; se se aplaude, é veniaga. Não se imagina que possa haver lisura no pensamento, nem dignidade na intenção. Resumem tudo na espertalhotice.
Quando se aventa uma ideia, esculdrinha-se logo quanto representa em sonante para a vaidade, ou para o interesse; quando se define uma situação, logo se descobre o plano feito de a explorar em benefício próprio.
O mais chato egoísmo e a desconfiança mais miúda é a luz que unicamente penetra nas circunvoluções dos cérebros. Tudo são coisinhas, como dizia o André de Rezende.

(Oliveira Martins, Repórter, 29-I-1888) 

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