Hoje dei por mim a pensar

Dei por mim a pensar que o sofrimento é inevitável.
E é inevitável porque, como tudo na vida, o sentimento também nasce, cresce e evolui. É, por isso, necessário que ele se transforme e tome várias formas; e a sua durabilidade no tempo depende da conjugação de ternura e cumplicidade; e é esta conjugação de ternura e cumplicidade que faz com que as veredas da vida sejam idênticas às veredas serpenteadas de uma serra estrela: veredas que nos abrem o acesso à água gelada de uma fonte, ao cheiro do alecrim, ao passeio furtivo e romanceado de um coelho, ao canto e ao gorjeio livre dos pássaros, a um campo desgrenhado de flores silvestres, a uma paisagem deslumbrante e à aridez do chão que se pisa com  a sola da pele dos pés.
Mas não chega, creio eu. Creio eu, porque é a existência de um Eu e de um Outro que dá sentido à evolução do sofrimento; porque ambos (Euoutro – Outroeu) se dão valor a si próprios e se valorizam mutuamente através das palavras, dos actos e das atitudes.
Este é (pode ser) o ponto de partida seguro para escrever um texto que fale de “realidades nas quais as pessoas se revêm; que sejam também as suas realidades mas que não sabem como as expressar (o amor, o medo, o ciúme, alguém mágico e especial que todos sonham encontrar nas suas vidas)”. Isso apenas poderá acontecer quando o “texto é sério e ao mesmo tempo leve e quando tem um toque de bom humor”.
Estas duas últimas citações (entre comas) são os instrumentos de uma cautelosa simetria com que as fadas explicam a prodigiosa migração dos sentidos, fazendo que até pareça que as estrelas se despegam da abóbada nocturna numa noite do início do Verão.
Dizia que dei por mim a pensar que o sofrimento é inevitável; penso que poderia ter dito que o sofrimento é insuportável; insuportável no eco silencioso da ausência que se sente e se percebe no ar cúmplice de um sol batido a poente.
Eis-me agora a pensar que o tempo não tem que ser esquivo. Pois não é que acredito mesmo que existe o regresso ao futuro quando se pensa com os olhos grandes e com as mãos finas e nervosas a rir de mansinho?
E não digo porquê!

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