OUSAR o SABER - O Hospital dos Inocentes de Santarém (I)

Introdução
A necessidade de um “Personal meaning map
Regressar à Idade Média visou um saber aprofundado sobre a problemática do abandono das crianças e a sua relação com os diversos poderes, designadamente a identificação de uma instituição pia que, no seu compromisso, desenvolvia um programa institucional que, de forma contextualizada, perdurou ao longo do tempo.

Foi com este objectivo no horizonte que me aproximei deste tema de investigação com o objectivo de desencadear um “novo começo”[1]. A partir dele, pude ir desenhando um mapa pessoal de significados com o qual me senti como cartógrafo experimental, pondo o saber adquirido ao mesmo tempo que a minha experiência pessoal ao serviço do engenho e da arte de navegar na Idade Média.
Nesse sentido abordei várias perspectivas de trabalho, mapeando o espaço positivo de um novo território conceptual, num exercício (interessantíssimo) de “bem parar mentes[2]” e, consequentemente, conseguindo abrir pistas novas e diferentes.
Elaborado um mapa pessoal de significados[3] e confirmado o tema de investigação a desenvolver, nada melhor para iniciar todo o processo de leitura e de investigação do que, primeiro, pesquisar, discutir e assimilar o conceito pia causa[4]. Este era um tema que me interessava, muitíssimo, dada a proximidade com a expressão casa pia. O que estaria por descobrir? Mas o mundo do direito, a par dos mundos dos poderes, começava a perfilar-se.
Mas o que o horizonte, no entanto, revelou em primeiro lugar foi a necessidade de ter em conta a contextualização histórica e as transformações sociais que aconteciam num Portugal que, no século XIV, se afirmava no contexto ibérico e que, particularmente no reinado de D. Dinis, delimitava as suas fronteiras continentais. Depois, aquele horizonte, já com cariz de um continente novo, tornava imperativa a necessidade de ter atenção à guerra, iniciada em 1321, entre o rei D. Dinis e o filho herdeiro (futuro rei D. Afonso IV), por um lado, e o papel que nesta guerra desempenhou a vila medieval de Santarém, por outro. Finalmente, através da leitura, atenta e concentrada, do Compromisso do Hospital, desvelavam-se os contextos e os processos da Assistência antes da fundação das Misericórdias[5] e parecia ficar claro que estávamos perante uma fundação assistencial que tipificava uma causa pia. Atentemos, por esta razão, na possível intencionalidade da fundação do hospital dos Inocentes.
A publicação, nos Portugalliae Monumenta Misericordiarum, Volume II, do traslado do Compromisso do Hospital dos Inocentes de Santarém que se encontra no IANTT – Núcleo Antigo nº 274, Tombo das Capelas de Santarém, no Tombo do hospital de Santa Maria dos Inocentes a fl. 132v-134 e cuja data é de 17 de Abril de 1415, revelou a existência de um regimento/ordenança datado de 12 de Dezembro de 1321, data esta considerada como a data da fundação do referido hospital. O interesse no seu estudo reside no facto de se tratar do primeiro hospital (existiu, sem dúvida, um hospital de meninos na cidade de Lisboa[6]) destinado a crianças enjeitadas (ressalva-se a utilização do conceito de criança na Idade Média) em Portugal, de que se conhece o Compromisso, onde é dada uma claríssima definição de enjeitado[7] e onde está, claramente definido, todo um programa de intervenção junto desses meninos e dessas meninas que, em princípio, já estariam condenados à morte por várias e variadas razões.
Importa pela importância que reveste, alertar para uma incorrecção que se refere a duas linhas do fólio 133v. Por lapso, na transcrição paleográfica ou na impressão do documento, nos Portugalliae Monumenta Misericordiarum[8], saltou-se uma linha e, sem esta linha, a compreensão do documento fica muito prejudicada.
Assim, onde se lê: “Outrossy teemos por bem que esse comcelho meta hii homem boom e de boa vida per ospitalleiro que faça hii manter comunallmante” deve ler-se: “Outrossy teemos por bem que esse comcelho meta hii homem boom e de boa vida per ospitalleiro que faça criar e ensignar os moços. E este ospitalleiro façamlhe dar sa mantença per que se possa hii manter comunallmente[9].
Trata-se de uma questão importante porque esclarece as funções do hospitaleiro por um lado e, por outro, abre um tema muito interessante e que se refere à escolaridade. É de admitir que também a estas crianças fossem ensinados rudimentos de saberes escolares: ler, escrever e contar. Evidentemente que não existia escola obrigatória mas os mercadores e os artesãos tinham necessidade de saber escrever e contar[10]
Percebidas as linhas do horizonte havia que fazer um percurso lento mas seguro, o que pressupunha: questionar, interpelar e apelar a diversos e diversificados saberes tanto mais que o que estava em causa era uma análise (multidisciplinar) directamente relacionada com a intervenção dos diversos poderes.
O destaque e a intencionalidade da pesquisa iam para um bispo que era médico do rei e da rainha (D. Martinho, bispo da Guarda) e para uma rainha (a rainha Isabel de Aragão) que viria a ser canonizada.
Verifique-se a sua fundação junto ao paço real, em Santarém, perto da porta de Leiria, o que tipifica uma manifestação de poder. O paço[11] é o local onde o rei reza, onde assegura a sua descendência e onde exerce a sua justiça. E estas três funcionalidades eram interdependentes: a origem da legitimidade do poder está em Deus, a descendência torna perpétua essa legitimidade, sendo que o poder que vem de Deus se exprime através da justiça[12]. Traduzida nos espaços do edifício esta trindade corresponde à capela, ao quarto e à sala, respectivamente.
Deixemos, desde já, duas questões importantes.
Quando, no Compromisso, se põem em causa as figuras dos cavaleiros e dos “filhos de algo” no sentido que não poderiam fazer parte da administração do Hospital não se afirma, ao mesmo tempo, o poder local do concelho? E, traduzirá a construção do hospital, junto da porta de Leiria na vila de Santarém, uma forma extensiva do paço dos reis sendo, consequentemente, uma marca diferente de poder diferente?

Por onde começar: 1415 é uma data – bússola
Ano da tomada de Ceuta e do traslado do Compromisso do Hospital dos Inocentes
Trata-se de ter sempre presentes dois marcos cronológicos, um inicial (o ano de 1321 – data da fundação do hospital [13]-) e outro final (o ano de 1415 – data do traslado do Compromisso[14]).

Na introdução do traslado (fólio 132) é dito que o Compromisso e uma soma de escrituras são registados (em 17 de Abril de 1415), em forma pública, por Pedr´Eannes tabelião do rei D. João I em Santarém. Este acto foi confirmado pela presença e autoridade do juiz do rei e pela presença de diversas testemunhas.
Pelo que podemos ler na introdução, o tabelião cumpre uma ordem, no sentido de regularizar a situação do Hospital dos Inocentes que “he hedificado na dicta villa[15]. E esta regularização implicaria não só a identificação dos bens do hospital e do seu Compromisso mas parece, ainda, pressupor a vontade de retomar (de forma correcta[16]) a actividade do hospital. Efectivamente, a presença de testemunhas “Pêro Boo e Dioguo Fernandez Godinho e Lopo Afomsso que são mercadores e vereadores do concelho da dicta villa e de Rodrigue Annes, scrivam do comcelho da dicta villa e ainda outros[17], parece ser reveladora dessa intenção no sentido que na altura a administração do Hospital seria da responsabilidade da Câmara de Santarém[18].
Tendo presente o carácter organizado do Infante D. Duarte que, em 1415, geria os negócios do reino[19], é de crer que aquela ordem tenha partido dele no âmbito da reorganização das instituições de Assistência em Santarém e da intervenção do poder real neste domínio em claro conflito com o poder da igreja local e com o poder dos concelhos. Foi o mesmo infante D. Duarte que, posteriormente, em súplica dirigida ao Papa, em 29 de Abril de 1432, informava da decadência de vários hospitais na cidade de Lisboa[20] quando, ao mesmo tempo, no reino de Portugal as suas atitudes iam sendo contestadas[21].

O Hospital dos Meninos de Santarém: delinear uma imagem
Perceber a especificidade
Parece-nos, por vezes, que somos capazes de encontrar explicações simples mas isso raramente acontece, se é que alguma vez sucede, mesmo quando a explicação nasce de mentes mais criativas.

Delinear uma imagem, relativamente segura, da fundação do Hospital dos Inocentes em Santarém no início do século XIV[22] e, ao mesmo tempo, perceber a sua especificidade em tempos medievos, é um risco porque não existe uma explicação simples (embora seja minha convicção que a sua fundação esteja directamente relacionada com a guerra civil) para que tal tivesse acontecido. Parece-nos, por vezes, que somos capazes de encontrar explicações simples. Mas isso raramente acontece, se é que alguma vez sucede, mesmo tratando-se de mentes mais criativas.
E, por isso, a necessidade de que os vários temas sejam abordados e tratados de forma a permitir várias leituras e sob diversos pontos de vista: trata-se de abrir pistas para olhar, de forma diferente, para o papel que as organizações tiveram, ao longo do tempo, como objectos empíricos de transmissão cultural. Se o conseguirmos fazer, teremos encontrado um bom ponto de partida para o tema que mais nos interessa: os diversos poderes que suportam e dão consistência a um programa institucional implícito no Compromisso.
Antes, porém, paremos um pouco…
A criança como objecto de investigação histórica tem um marco decisivo: a publicação, em 1960, de uma obra de Philipe Ariès[23] inteiramente dedicada à criança no Antigo Regime. A partir dessa altura, são vários os estudos dedicados à criança e, alguns (muito poucos), especificamente dedicados à criança abandonada na Idade Média. Neste campo de investigação, façamos um brevíssimo percurso na história para perceber algumas razões. Sabe-se que, a partir do século VIII, alguns hospitais foram fundados para recolher crianças abandonadas e que estes hospitais entendidos como piae causae eram, normalmente, geridos por homens da Igreja. Os seus administradores procuravam amas para as criar e, depois, preocupavam-se em as ensinar. É de crer que não seriam muitas já que a mortalidade seria muito alta. Sabe-se, ainda, que de acordo com o seu sexo, lhes era atribuído um dote ou aprendiam uma arte (ofício). A sua instituição só começou a generalizar-se após a fundação, em 1071, da Ordem do Espírito Santo[24]. Mas só no século XIII tiveram realce significativo[25].
É importante ter presente que as crianças abandonadas eram muito poucas (atente-se na definição, plasmada no Compromisso, muito clara de enjeitados e que justifica a especificidade do objecto de estudo) e que esta situação se explica pelo nível elevado de mortalidade infantil.
Porém e esta é uma questão importante, a partir do século XIII, o seu número cresceu, exponencialmente, com o aumento e tipo de pobreza ligada ao desenvolvimento das cidades, razão pela qual estas instituições se foram tornando indispensáveis na Baixa Idade Média. Não deve exagerar-se no entanto, quando se imagina a sua eficácia: muitas das crianças morriam de doença. Morte que parece fácil de explicar porque a religiosidade, por um lado, e o custo elevado dos cuidados médicos, por outro, determinavam que se recorresse aos milagres dos santos para procurar a cura.

(Continua)

[1] Cf. Jean Piaget, La construction du réel, Paris, 1935, p.311: “ A inteligência...não começa assim nem pelo conhecimento do eu nem pelo das coisas como tais, mas pelo das usas interacções, e é orientando-se simultaneamente para os dois pólos dessa interacção que ela…organiza o mundo organizando-se a si mesma”.
[2] Expressão medieval que significa: prestar atenção.
[3] Será de todo interesse uma aproximação à obra do investigador Anthony Lelliott (Marang Centre, Division of Maths and Science Education, School of Education, University of the Witwatersrand, Johannesburg ). Sugere-se a leitura de um documento por ele organizado: “Using Personal Meaning Mapping to gather data on school visits to science centres” a fim de ter uma ideia mais segura da importância que pode revestir a construção de um “mind map”.

[4] Cf. José Maria Blanch Nougués “Régimen jurídico de las fundaciones en Derecho Romano”, Madrid, E. DYKINSON, S.L., 2007, pp. 278-281: “Se llega, por tanto, a un estadio jurídico similar al que alcanzaron siglos atrás las piae causae de Derecho Romano justinianeo. Así, SINIBALDO DEL FIESCHI (Papa INOCENCIO IV, siglo XIII) -  que, como vimos, tanta importancia tuvo en la formación histórica del concepto de persona jurídica – entiende en el comentario a c. 8 de Decretales X, III, 24 por “hospitale“quidquid juris habeant et conferre poterant in hospitalis ius”. Y comenta PANIZO ORALLO que “ el Jus hospitalis se hace depender de la voluntad del fundador o señor del mismo: “per dominium et fundatorem jus habeant in hospitali”. Como se puede apreciar, la base material del “hospitale” se encuentra igualmente situada en el patrimonio material del mismo y en el conjunto de derechos que se institucionaliza; el conjunto de ambos elementos constituye su base”.
Como escribe FERRARA “el sujeto fue la unidad invisible de la fundación, el ente institucional ordenado por la voluntad del fundador. Poe esso en este tiempo la fundación no se efectúa ya de la forma oblícua de una disposición modal, sino de um modo directo la fundación es un acto de creación, de soberania. Añade el Autor que dadas las faciliodades existentes para la constituición de nuevas fundaciones se produjo el efecto a lo largo de la Baja Edad Media y Edad Moderna de que se fundaran un gran número de establecimientos ya sea de carácter religioso (beneficios) como de instrucción (seminarios) como de beneficencia (instituciones para pobres, asilos de ancianos, albergues para peregrinos...).
Además, junto a las fundaciones eclesiásticas o de órdenes sacerdotales o a las fundaciones privadas sometidas a la vigilancia del obispo respectivo comienzan a constituir-se en diferentes países de la Europa occidental en ls Baja Edad Media hospitales y otros centros de beneficencia de crácter laico ya sean municipales o privados pero sujetos al control de los municipios como sucede en Alemania a partir del siglo XII y en Francia, Italia y España a partir del siglo XIII. Y como destaca LÓPEZ JACOISTE, a partir del siglo XIV surgen en Europa junto a las fundaciones benéficas cristianas adminidtradas generalmente por clérigos, fundaciones enteramente seculares destinadas a fines profanos como son los de mecenazgo artístico o cultural.”
[5] Consultar com atenção “Portugalliae Monumenta Misericordiarum – Antes da fundação das Misericórdias, volume II”, Lisboa, Centro de Estudos de História Religiosa – União das Misericórdias Portuguesas, coordenação de José Pedro Paiva, 2003.
[6] É conveniente ter presente a carta de D. Afonso III, de 1254, publicada em PMM, vol. II, doc. 74, p. 198: “…Mando uobis quod integretis Hospitali Puerorum Vlixbonensis unum suum casale hereditatis quod est in Verdelia.” Ter presente, também, o primeiro testamento de D. Dinis, de 08 Abril de 1299, publicado nos PMM, vol. II, documento 248, pp. 502, onde se lê: “ …Item mando ao hospital dos Mininos de Lisboa duzentas libras”.
Atente-se, ainda, na proximidade de significado da palavra portuguesa ordenança com a palavra francesa “ordennance”: disposição, ordem…
[7] «…e entendemos por mininos e mininas engeitados aquelles que alguãs mollheres conceberam e tamto que os parem com medo e com vergomça ou outros seus gramdes pecados queremdo ante perder as almas que lhi lo saberem e mandam-nos deitar pellas augoas e pellas carreira e pellas carcovas e pollos rios e em outros lugares hu os nam possam achar senam de vemtura.».
[8] PMM, vol. II, doc. 206, pp. 425 a 428.
[9] Este é o texto que consta quer no Tombo de Santa Maria dos Inocentes no fl.133 quer no Cód. 980, fls. 40 e seguintes, do arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Santarém.
[10]Ler em entrevista a D. A-Bidon em www.defenseurdesenfants.fr/, em 2001: …Par ailleurs, on estime qu´avant de travailler ils doivent avoir appris les “rudiments”, c´es-à-dire lire, écrire, compter. L´école obligatoire n´existe évidemment pas, mais tout marchand ou artisan a besoin de savoir écrire et compter. On l´enseigne donc aux enfants, parfois aussi aux enfants de paysans. »   
[11] Atente-se na evolução semântica de paço…contrastando este significado com o significado que lhe é atribuído no texto do Compromisso: “E se pervemtura hii nam poderem manteer pobres vergonçosos faça-se do paaço o que for prol do ospitall seguundo hordenarem aquelles que o ouverem de veer…”
[12] Para mais informação ler o artigo “Palácios principescos, residências senhoriais”, pp. 187 a 194, de Jean Mesqui in História artística da Europa, tomo II, dir. G. Duby, Lisboa, Quetzal Editores, 1997.
[13] A data da fundação é de 12 de Dezembro de 1321. Atente-se que 28 de Dezembro é o dia em que a Igreja Católica celebra o dia dos Santos Inocentes.
[14]  A data do traslado é de 17 de Abril de 1415.
[15] Ler na introdução do traslado do Compromisso do Hospital dos Inocentes.
[16] Importa ter presente que era o tempo de reorganização das instituições de Assistência.
[17] Ler na parte final do traslado do Compromisso do Hospital de Santa Maria dos Inocentes.
[18] Confirmar no Tombo das Capelas de Santarém.
[19] Cf. Luís Miguel Duarte, D. Duarte, Lisboa, Temas e Debates, 2007, pp. 121 e 84, respectivamente: “Tudo começou quando D. Duarte tinha 22 anos, e o pai, tendo decidido atacar Ceuta, o encarregou, como filho primogénito e futuro rei, de se responsabilizar pelo governo do reino. D. Duarte era novo e sabia pouco; talvez devesse ter pensado nisso antes, mas fez o que melhor sabia fazer, o que fora educado para fazer: obedeceu – até porque estava empenhadíssimo na empresa de Ceuta. A sua parte era essa? Cumpriria. Mas teve medo, nessa altura, de não estar preparado para responder ao formidável desafio que lhe era colocado. Teve medo de não estar à altura, de falhar.” “A actividade do infante como substituto virtual do pai não foi linear, não teve sempre as mesmas implicações, não se fez sempre segundo a mesma cadência. Suponho que deve ter começado aos poucos, para o infante aprender com D. João I: uma audiência agora, um despacho mais tarde. Que terá ido em crescendo durante 1413 e 1414, até ao momento em que praticamente toda a governação passou para a responsabilidade de D. Duarte, mantendo-se assim até às vésperas da partida (para Ceuta); em Julho de 1415, D. Duarte acumulava o governo do reino e responsabilidades militares cuja amplitude ignoramos com os cuidados à cabeceira de uma mãe enferma.”
Conferir, ainda, na pp. 80: “Como acabamos de ver, uma das heranças, para o infante D. Duarte, da conquista de Ceuta, foi ter-lhe cabido em sorte – e a quem poderia, senão a ele – o governo do reino. Ocupou-se disso durante cerca de três anos. Depois a família real foi quase toda para Marrocos. E depois voltou. O que aconteceu quando o rei e os filhos mais velhos regressaram? Tornou tudo ao que estava em 1411, como seria previsível?”
[20] Ver a súplica, completa, em PMM, volume II, doc. 15, pp. 44 e 45. Breve excerto: «Beatissime Pater. Cum in ciuitate et diocesi Ulixbonensibus nonnulla hospitalia pro sustentatione et recepcione pauperum et infirmorum, per laicos solita gubernare, existant, que, culpa et neglicencia gubernatorum seu rectorum et illorum qui illa uisitare et procurare tenentur, tam in edificiis et domibus quam in aliis possessionibus, bonis et iuribus plurimunt deficiunt et ad ruinam penitus dillabuntur, ac eciam ipsorum hospitalium bona ad alios quam ad pauperum usus convertuntur, et in eis solita hospitalitas pauperum et infirmorum non seruatur.»
[21] Ler em PMM (doc. retirado das ODD), volume II, doc. 35, p. 63: “Como ell Rey toma aos spritaees e aas albergarias. O decimo artigoo he tall. Item que ell Rey toma os spritaees e as albergarias que foram feitas pera os pobres e que sam so a jurdiçam dos bispos de dereito e filha-as com sas posysoees e perteenças. Respondem os d´avam ditos procuradores que praz a ell Rey que em aquesto que se aguarde o dereito comum e boons costumes e pormetem que elle os guarde asy senpre.”
[22] Isabel dos Guimarães Sá, A circulação de crianças na Europa do sul: o caso dos expostos do Porto no século XVIII, Lisboa, F. C. Gulbenkian, 1995, pp. 24 e 25: “Parece indubitável o facto de que o abandono de crianças não tenha cessado entre a Antiguidade e a Idade Média. O momento em que começamos a encontrar indícios da existência de expostos e de medidas institucionais para a sua salvaguarda é o século XIV. Mas por que motivo é que as crianças abandonadas, ausentes das fontes até então, emergem da sombra? As respostas possíveis a esta pergunta poderiam ser procuradas dentro dos seguintes parâmetros: 1) O sistema demográfico caracterizava-se por altas taxas de mortalidade infantil que invalidavam a existência de um número significativo de crianças disponíveis. As famílias legítimas não abandonariam crianças devido à dificuldade em fazer vingar um número suficiente de crianças até à idade adulta. 2) O infanticídio era prática comum e permitia às famílias regular o seu tamanho e seleccionar o sexo das crianças. 3) Não havia circulação de crianças, no sentido de que nenhuma família tinha os meios ou o interesse necessários à criação de filhos não biológicos. O valor da criança seria demasiado elevado para permitir qualquer transferência de paternidade. Se alguma destas perspectivas de investigação estiver correcta, o abandono seria um problema de sociedades em expansão que não dispunham dos meios técnicos necessários ao controlo de natalidade. Se o bem-estar económico tem uma incidência directa na fecundidade, como alguns cientistas médicos afirmam, e se a mortalidade decresce quando o nível de vida sobe, o número de crianças cresce automaticamente.”
[23] Philippe Ariès, A criança e vida familiar no Antigo Regime, Lisboa, Relógio d´Água, 1988.
[24] Teresa-Maria Vinyoles I Vidal i Margarida González I Betlinski, “Els infants abandonats a les portes de l´hospital de Barcelona” in La pobreza y la asistencia a los pobres en la Cataluna Medieval, vol. 2, Barcelona, CSIC, 1981-1982, p. 191 e 192 : «Si haguessim de dir qui són els més desvalguts de la societat, hauríem d´afirmar sens dubte, que no hi ha un ésser més desvalgut que un infant abandonat. Si parlem dels pobres, els desemparats, els miserables de la societat medieval i de llur assistència, no podem oblidar l´important capítol de la cura dels nens, quasi sempre acabats de néixer, deixats silenciosament de nit a les portes de l´Hospital perquè aquesta institució benèfica se´n fes càrrec. Es tendeix, a partir del segle XIII, que sigui tasca dels hospitals donar acolliment a les criatures abandonades. Segons la llegenda, Innocenci III fundà l´hospital de Roma per evitar que els nadons fossin llançats al Tiber. Sabem que, tan a Itàlia com a França, l´ordre del Sant Esperit fundava hospitals dedicats a necessitats socials diverses: pobres, malalts, llebrosos, pelegrins, etc., però tots els hospitals havien d´acollir els infants trobats i els orfes, almenys així ho establien llurs estatuts. Arreu d´Europe a finals del segle XIV es generalitzen els hospicis o orfanats, hospitals especialment dedicats als nens abandonats, de tota manera no sempre aquests hospitals recibien qualsevol nen desemparat.” 
[25] Cf. Isabel dos Guimarães Sá, A circulação de crianças na Europa do sul: o caso dos expostos do Porto no século XVII, Lisboa, F.C. Gulbenkian, 1995, p.67
Cronologia da fundação de hospitais de expostos (séculos XII a XIV) 
1186 – Siena, Itália.
1192 – Florença, Itália.
1198 – Roma, Itália.
1316 – Florença, Itália.
1321 – Santarém, Portugal.
1333 – Urbino, Itália.
1346/48 – Urbino, Itália.
1383 – Veneza, Itália.
 Séc. XIII (2ª metade) – Lisboa, Portugal.

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