Uma estupidez lúcida

Uma decisão pode ser considerada estúpida mas creio que nada impede que possa ser lúcida. É o que eu penso. Será?
Tentemos um breve exercício de pensamento à procura da resposta.
                                      
1. Um grande problema, nos dias de hoje, é que a intelligentsia – uma palavra russa que designa a classe social formada pelas pessoas melhor preparadas intelectualmente - está fatigada. Há um tempo a esta parte que a elite do pensamento português constata que todos os seus propósitos, apenas se dirigem a um pequeno número de estudantes, de curiosos, de eleitores ou a uma pequena parte da opinião pública.

 2. A maior parte das pessoas que constituem essa elite, está consciente e sabe, que o seu destino – explicar as coisas que pressentiram ou que compreenderam e que os outros não compreendem ou não querem ver – é inútil, porque nós que somos os outros, não nos interessamos ou não queremos saber e continuamos a pensar e a agir como se nada tivesse mudado na vida e no mundo.

3. O panorama é de tal modo angustiante que uma parte dos melhores preparados se vai matando, lentamente, porque pensa que não há nada a fazer, preferindo ficar em casa a ler, a estudar e a viajar, vivendo uma vida mais discreta mas não serena.
Uma outra parte torna-se frívola, quer intervir sobre tudo e sobre nada, quer jogar golfe, mostrar-se e até decide fazer avisos terrivelmente superficiais: trata-se de uma escapatória perante uma impotência que a dilacera.

4. Os tempos mudaram, é verdade, mas as linhas de força do discurso de Kafka continuam em vigor. Continua a existir uma espécie de “super estrutura” visível ou invisível, dotada dum poder sobre o livre arbítrio do indivíduo, parecendo ser impossível lutar contra as forças eficazes do Poder e dos pequenos poderes.

5. Assim sendo, apenas parecem ser possíveis duas atitudes perante a vida: desenvolver projectos, discutir com os amigos, cuidar da vinha, aprender, estudar, viajar com quem se gosta e… resistir ou, então, tornar-se frívolo.
Mas será alguma uma sina cigana que determina que a inteligência se deva manter discreta?

6. Equacionemos, porém, uma terceira atitude fundada no pensamento de Erasmo que sugeria que, em tempos de embrutecimento geral, o homem sábio devia fingir ser idiota e devia mostrar-se incapaz de ter opinião, consciente que esta é a melhor maneira de ter êxito no grande teatro do Universo, porque o mundo é uma ilusão, uma cena de teatro e a única coisa que cada um pode fazer, é continuar a desempenhar o seu papel com uma nova consciência, uma consciência cómica e irónica.

7. Se nos esforçarmos um pouco mais e nos concentrarmos na posição de Erasmo, acerca da problemática que consiste em encontrar uma forma de estar no interior de uma determinada dinâmica política (e, ao mesmo tempo, fora dela), conheceremos melhor o seu pensamento. Ao Papa, por exemplo, que o pressionava para denunciar as teses de Lutero respondeu: prefiro morrer a associar-me a uma facção. Por esta maneira de ser, foi apelidado de “rei do mas…” Mas o "mas! que mais marcava o seu pensamento, era a ideia consolidada de que nunca cederia perante nada ou ninguém quando estava convencido.
E esta sua posição, no teatro da vida, era o reflexo da sua estupidez lúcida.

Luís Manuel Silveira

Comentários

  1. É essa, de há bons tempos, a minha forma de estar na vida, "comica e ironicamente" salutar, procurando assim reforçar a minha independência de pensamento.

    Boa reflexão.

    Abraço

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