Em tempo de eleições: mito e verdade, Paulo Tunhas (acutilante), ainda e sempre


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"Convém não esquecer que uma boa parte da esquerda (incluindo uma grossa fatia do PS) vive no interior de um mito. O mito generosamente garante sentido a tudo. Ou melhor, garante o sentido todo àquilo que permite pensar e, simultaneamente, cria uma fronteira intransponível entre o sentido e o sem-sentido, que pertence às trevas exteriores. O que é que o mito, genericamente, diz? Diz que há uma direcção bem determinada da história, na qual, sabendo-o ou não, caminhamos, e que essa direcção conduz ao socialismo e ao comunismo. Quem segue nessa direcção está no bom caminho, quem marcha em sentido contrário está no caminho errado. Não ver isto é laborar no sem-sentido, que só pode resultar de uma resistência voluntária ao sentido da história ou da pura e simples ignorância.

Toda a gente está a par desta doutrina, que outrora recebeu desenvolvimentos filosóficos apreciáveis, bem como elaborações de uma rusticidade extraordinária. O que se tende a ignorar é a que ponto ela continua a trabalhar os espíritos e a fornecer o mobiliário mental fundamental de gente que aparenta alguma sofisticação intelectual. O núcleo essencial do mito permanece intacto naquelas cabeças, aconteça o que acontecer, e se, por um instante ou outro, a crença se torna menos aparente, é para reaparecer logo a seguir, magicamente intacta e não menos poderosa. Não há desmentidos de qualquer espécie, empíricos ou teóricos, que a possam pôr em causa, como nada há que consiga tornar mais porosa a fronteira entre sentido e sem-sentido. Isso manifesta-se tanto nas mais gerais como nas mais ínfimas e ridículas questões. O mito perdura, eternamente fechado em si mesmo."

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Aqui com memória.

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