Da Saudade, com lampejos
Escolhi a enigmática pintura "Saudade" - sei de fonte limpa que nas obras de arte viajam segredos - (de José Ferraz de Almeida Júnior) para arriscar um regresso à escrita diária neste novo ano (2022): a verdade, porém, é que não tenho ilusões relativas a este novo ano, o mundo não está bem, mascarados vivemos mal, está tudo mudado, mas sim, acredito cada vez mais que sim, acredito que a vida não só se desvela na arte escrita em imagens quanto também s suas formas preferidas são as curvas. Mui boa escolha!, gosto e gosto e gosto!, aquela pintura é muito eu e mim!, o futuro é o regresso à origem, eu e mim somos a tua deusa-origem, somos a tua tutora de resiliência, deixa passar o tempo sem lhe perguntar nada e cumpramos (eu e tu e tu e eu) o que somos já que nada mais nos é dado, soprou-me em solenidade-espavento e em jeito cesura a minha arredia consciência crítica. A seguir é que foram elas!, ainda eu artilhava uma resposta condizente e já ela me dizia que, dado que todos somos o que fomos, ah!, os deuses são muito felizes porque vivem a vida calma das raízes. E?!, questionei. E ela fulminante retorquiu em jeito-maneira oracular: cuida-te em tempo de pandemia e manda às malvas as teorias da "tabula rasa" (e afins) porque os humanos são o fruto da sua herança genética e do seu ambiente cultural e do acaso (para poderem ser o que foram); e trauteou ainda assertivamente em timbre melodioso: amanhã é dia de eleições legislativas em Portugal (eleições para eleger um novo parlamento, não são para eleger um primeiro ministro, muda a atitude e vota com a cabeça fria, é preciso mudar o país e pôr de lado os partidos cuja perspetiva da política pareça ser uma cama de Procrustes na qual os factos são esticados ou encolhidos para se encaixarem, alguma vez, por exemplo, pensaste na vida de mais de 2 milhões de pobres em Portugal?, e já olhaste, por este prisma, o impacto da redução da pobreza?): aí tens, é o tempo azado para para pensar, bebericando anis num cálice de cristal e ponderando, com faro de perdigueiro, na importância do dilema de Collingridge nos tempos que correm, ah! pois, de educação e de inflação e de cultura ninguém falou na campanha eleitoral, mas sim, nunca te esqueças que acima da verdade humana estão os deuses, o perspicaz Fernando Pessoa, escalando um pensamento íngreme, o descreveu. Assenti sem apelo nem agravo, e deliciado suspirei: quão tamanha é a pletora de saberes da minha consciência crítica!, quão tão saboroso é um cálice de anis!, hum!, dilema de Collingridge, cama de Procrustes, deuses!, foi o que ela disse?!, a minha escrita de hoje bem que podia, creio mesmo, bem que podia condensar-se em um novíssimo brocardo, este: "Da Saudade, com lampejos".
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