A procura da verdade humana surge sem método
A
procura da verdade humana surge sem método, soprou-me manhã cedinho
a minha consciência, acorde para a realidade e demore-se alguns segundos na imagem que lhe mostro. Assim fiz, acordei, olhei a imagem com olhos de ver e depois de, da minha janela de guilhotina, ter apreciado um aguaceiro a envernizar as folhas de um limoeiro antigo, perguntei: que método devo seguir para entender a sua mensagem de hoje? Vida minha, disparou ela com humor à mistura, que mania a sua de olhar para as coisas com os artifícios da visão científica, a visão científica é aquela em que interessa construir hipóteses, demonstrá-las ou rejeitá-las experimentalmente, é aquela visão que nos ajuda a compreender melhor o universo, só que a compreensão dos seres humanos não cabe no universo. Como é que é?, interrompi vidrado nos fundos, nos gestos e nos movimentos da imagem (de mansinho o meu pensamento ia deambulando atrás da elegância da cor preta). E ela: isso, isso mesmo, ponha a visão científica de lado e corra atrás da elegância da cor preta e dos traços de mim, confirmará que os seres humanos e a compreensão dos seus significados não ocorre no universo, mas ocorre sim nos caminhos pelos quais nos aproximamos mais do sentido, "o ser que pode ser compreendido é a linguagem", disse-me um dia o Hans-Georg Gadamer. Embatuquei, a minha consciência falou com o Gadamer?, pode lá ser! Não se deu por achada com a minha exclamação, e: registe que a compreensão geral do mundo humano (tal qual a interpretação de uma obra de arte) pertence a uma espécie diferente do nosso entendimento da natureza. Se bem percebo, atrevi-me afoito, então nós (os humanos) compreendemos os outros seres humanos, mas não os conhecemos pela aplicação de métodos generalizáveis. Espertinho, trauteou com o ar de quem tinha acabado de comer uma tangerina doce, olhe de novo (com muita atenção aos pormenores) para a imagem, isso mesmo (claro que estou de saltos altos), o modo como compreendemos os outros seres humanos é uma expressão da nossa personalidade e a nossa personalidade é muito mais que aquilo que comemos ou que fazemos: a nossa personalidade é em tudo parecida com uma obra de arte, uma obra de arte de que somos os autores, os seres humanos são criatividade viva, nunca se esqueça de pensar em mim, sou a sua razão de ser. Olhei de novo para a imagem e, com este texto a faíscar e a ondular na minha cabeça, arrisquei com uma ousadia desconhecida: se assim é, a criatividade, a imaginação e a originalidade são inseparáveis das ciências naturais e das ciências humanas. Bingo, suspirou divertida numa piscadela de conivência, não duvide do prazer de estar aqui consigo, adoro, adoro, adoro a sua tirada, trigo limpo, o espírito do tempo é um facto tão objectivo como um outro facto qualquer, seja ele das ciências ou das artes. Bem haja, agradeci-lhe, tenho agora a certeza de que os seres humanos não são apenas um monte de partículas elementares num contentor gigantesco a uma escala universal, sei agora que os nossos pensamentos e os nossos desejos e as nossas esperanças constituem uma realidade própria. Não tem de quê, retorquiu ela, céus, tanta é a falta que eu faço na sua vida, no universo e no tudo o resto, tenha um bom dia. Que guicha e quão tão convencida!, ainda confidenciei com os meus botões que, banzados e soerguendo o perfil agudo dos galgos nem tugiram nem mugiram, estavam caladinhos e absortos, o saber aos molhos era mais que muito mais que muito e o tempo era de ruminar ideias e pensamentos e de abrir caminhos para a vida.Tanta beleza tem este meu começar de dia!, disse-me, e belisquei-me.
Adenda..., "What Does Colour Sound Like?"
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