Existência: citar uma palavra é chamá-la pelo nome, pois não é?

(msg recebida)

Ontem, meu caro, um passarinho lindo, numa mensagem musical linda, segredou-me que, neste dia de eleições autárquicas em Portugal, não haverá cão nem gato ou até nem pato marreco e nem moço (e nem moça) de fretes políticos (alô, Eça!, gentinha subalterna sem centelha de energia, não gosto) que não desaperte alguns parafusos mentais para botar faladura e antecipar resultados mais que previsíveis, não esqueça que os jornais e televisões e rádios são instrumentos de poder. Coisa que pouco interessa - vai ficar tudo na mesma, não, não vão falhar o alvo - mas é coisa que alimenta ódios e amores (e favorespandémicos como agora se diz, adiante que estou com muita pressa. Claro que sim, vou votar, mais, vou votar e vou liderar uma mesa de voto, refilo, refilo de coração mutilado, mas que se há-de fazer!, o meu inato e alimentado sentido cívico lampeja em dias assim, e gosto! Esta missiva de hoje tem no entanto um propósito diferente. Quero falar-lhe de algo em que ando a matutar açodadamente, seja, como interpretar este fragmento do excelente Heraclito (500aC-450aC): Deste Logos sendo sempre os seres humanos se tornam descompassados quer antes de ouvir quer tão logo tenham ouvido; pois, tornando‐se todas (as coisas) segundo esse logos, a inexperientes se assemelham embora experimentando‐se em palavras e ações tais quais eu discorro segundo (a) natureza distinguindo cada (coisa) e explicando como se comporta. Aos outros seres humanos escapa quanto fazem despertos, tal como esquecem quanto fazem dormindo.” DK 22 B. Como diz? Que se trata de um fragmento obscuro com cheiro de fogaréu? Olha a novidade!, como se eu o não soubesse! Bem eu sei que Heraclito é um filósofo, digo, Heraclito de Éfeso é o filósofo do “tudo flui”, é filósofo arguto que, genialmente, soube - nos seus obscuros fragmentos - articular o dizer do mito com o dizer do logos no que toca ao enigma da existência humana, soube apontar o tipo de caminho para decifrar o enigma, atente nestes dois outros fragmentos (i) "O caminho das rodas da carda é recto e torto" DK 22 B e (ii) "O caminho para cima e o caminho para baixo são um e o mesmo" DK 22 B: sugerem uma relação entre opostos que se reúnem. Pode lá ser!, leio na sua mente que a relação entre os opostos é a chave para o enigma da existência humana (a existência é um círculo sempre a rodar constituído por percepção, acção e memória) e é também a chave para a forma mais genuína de conhecer o mundo, céus, é isso, a natureza escreve direito por linhas tortas. Deus meu!, pensar em todas as actividades humanas faz-me sorrir, mas então, raios e coriscos, não é que concordo consigo? Só que, acrescento eu, uma coisa é certa: mandemos às malvas a ideia de que conhecemos o mundo por meio de categorizações religiosas e/ou racionais, conhecemos o mundo pela compreensão de que somos constantemente desafiados pela existência e de que não temos resposta pronta para esse desafio. Importa, por isso, interpretar os sinais, ir além das convenções de toda e de qualquer ordem e é prudente deixar-se desafiar por esse enigma que nos propõe perguntas sem respostas, pelo enigma da existência humana. Vida!, quanto mais de perto olho a palavra existência, tanto mais de longe ela olha para mim, pode lá ser, inteligência minha! Existência: citar uma palavra é chamá-la pelo nome, pois não é?

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