... Facilmente - e a ti também (...) (...)















Bom dia, são quase horas de acordar, bom dia, já cheguei, a Emily referia-se à vastidão da mente humana num maravilhoso poema (de 1862) que agora lhe vou ler pausadamente, dizia a voz que sempre me acompanha. Eu dormia a sono solto, mas respondi-lhe: sou todo ouvidos. Ela leu devagar/devarinho - e eu gostei muito de a ouvir ler em língua inglesa - este poema:

The Brain - is wider than the Sky -

For - put them side by side -

The one the other will contain

With ease - and you - beside -

The Brain is deeper than the sea -

For - hold them Blue to Blue -

The one the other will absorb -

As sponges – Buckets - do -

The Brain is just the weight of God -

For - Heft them - Pound for Pound -

And they will differ - if they do -

As Syllable from Sound -

Mudando de tom, perguntou-me ela de supetão: percebeu a mensagem límpida que viaja clandestina neste poema da Emily? Não, não entendi, desafiei, não entendi porque, pode lá ser, enquanto ouvia o poema também via uma fotografia (suponho que seja dessa tal de Emily) a emergir de um fundo de cores: algo na imagem (no padrão) me parece familiar, daí que eu me tenha perdido a pensar no que Walter Benjamin escreveu e perorou sobre a aura. Nada mal, trauteou, tire partido do seu pensamento, aconselho-o, no entanto, a escabichar a vida de Emily Dickinson, é mesmo ela que está na fotografia, vai ver que aprenderá tanto que nem sabe quanto. Deixe-se de rodilhices, desabafei, diga-me qual é a mensagem que mora no poema, por favor, imploro. Percebi um sorrisinho divertido e gaguejado, é certo e sabido que ela se divertia com a minha curiosidade, e respondeu: esse seu "deixe-se de rodilhices" trouxe-me à memória um texto sobre o mastoideu, adiante, atente na primeira quadra do poema e demore-se no quarto verso (With ease - and you - beside - ), amanhã passado lhe falarei das duas outras quadras. Muito bem, seja como quer, concordei eu apressado. E ela: o que a Emily quer dizer (na primeira quadra) é que o cérebro humano teria de ser mais vasto que o céu - muito maior que o crânio - porque o cérebro humano contém não só o mundo à sua volta (facilmente) mas ainda mais um "tu": "Facilmente - e a ti - também -". Não entendi, disparei, ou será que entendi? Diga, diga, o seus palpites agradam-me sobremaneira, incentivou-me. Não tive medo de arriscar, e: será que essa tal de Emily intuiu genialmente que o vasto mundo e nós (os seres humanos) só caberíamos no nosso crânio se miniaturizados à escala do cérebro? Bingo, suspirou, espertinho, isso mesmo, o génio intuitivo da Emily (eu sou a voz dela e dos seus avatares) levou-a até à visão orgânica da mente e mostrou-lhe um conceito moderno do espírito humano. Estou atarantado, retorqui, e belisquei-me: o padrão da imagem não engana, será mesmo que conheço um avatar da Emily? Pois não se atarante e nem amofine, continue com a aura desse avatar por perto, sossegou-me, mas pense ainda que mais vasto que o céu não é o cérebro, é a vida, e mais, em busca do desenho profundo da natureza, treine-se a olhar o mundo como uma obra de arte. Ora oiça o António Damásio a falar, assim: "... mais impressionante do que todo o universo é a vida enquanto matéria e processo, a vida enquanto inspiradora do pensamento e da criação". Que tal? A voz fez-se silêncio e eu nem tempo tive para me despedir. Acordei, a voz tinha abalado e eu já sentia a saudade dela aconchegadinha a mim.

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