Beleza: é universal quando conceito, particular quando percepção















"O tempora, o mores!", quão tanto esta expressão de Cícero me vem ao pensamento nos tempos que correm, céus, até me atropelo, sabe porquê? Não, não sei, respondi a uma voz bonita de riso que mui bem conheço, não sei, mas agradeço-lhe que me tenha feito sorrir, recordo agora um comentador da nossa praça que, armando-se no jeito de quem tem estudos, traduziu a expressão de uma forma deveras atrevida, assim: "Ó tempo das amoras!". Santa Ignorância Tanta!, suspirou a voz, mas oiça-me. Vamos lá, assenti. Não se fez rogada: os tempos que correm têm semelhança com isto, pois não têm? Creio que sim, que se há-de fazer, é sina lusitana antiga requentada, retorqui, mas, nos dias que correm, ainda há pensamentos que são espadas (este, por exemplo), adiante, não insista mais, estou farto de quem é tão presto nos rapapés como nos pontapés e estou enjoado de ver feiras de tantos egos mascarados, nestes tempos de pandemia aconteceu tudo e são sempre os mesmos a pagar as favas, haja quem nos acuda; fale-me, isso sim, fale-me da imagem que me mostra, quer com ela dizer-me o quê? Muito bem, concordo, disse a voz, vamos ao que interessa, e ciciou suavemente com sabor a carícia: a imagem serve para lhe dizer que um dias destes, por vielas travessas, descobri (e quero agora partilhar a descoberta consigo), descobri que no baú do cérebro há dois centros de beleza, seja: o cérebro humano acende-se e, deuses, processa de forma diferente a beleza que observamos os rostos de outras pessoas; mais, heureca, processa de forma diferente a beleza que apreciamos nas obras de arte: uma forma, de imediato; outra forma, a médio prazo. Daí que, continuou a voz: (i) as obras de arte sejam de uma solidão infinita (demore-se na imagem), (ii) e daí que eu (voz límpida) seja, só para si, a alma de um rosto único no mundo. Não sei bem porquê, atarantado, ouvi-me a dizer: assim sendo, a beleza de um rosto não é a mesma beleza de uma pintura ou de uma escultura. Bingo, exclamou, (i) a beleza é universal quando conceito e (ii) a beleza é particular quando percepção, registe: (i) a beleza é um conceito perante a arte factual (a arte fala: no encontro com a arte que nos chama e faz para nós a diferença, a arte fala-nos e diz: "tendes de mudar de vida"; e (ii) a beleza é uma percepção perante a um rosto simétrico com a alma à vista... Juro que ainda ouvi a voz dizer em surdina: este saiu-me melhor que a encomenda, ainda bem que ele mandou os aranzeis às malvas, gosto; oxalá ele também nunca esqueça que só há um caminho para a vida, que é a vida, e que também nunca esqueça que na vida é determinante saber responder (no fluir tempo) a duas perguntas milenares, estas: "O que há?" e "O que importa?". Eu, maravilhado, fiquei mudo e quedo e quase sem respirar, continuo aprendiz, disse de mim para comigo, voz sábia/sorte a minha, ponto.

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