Anna Karina e Sibila de Cumas (também conhecida por Deífoba)?

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Um dia destes, quem sabe, vai dar-me razão, sempre lhe tenho dito (e agora o repito) que nas obras de arte viajam segredos (também o cinema é obra de arte) e que ser contemporâneo é conseguir ver a sombra do passado no presente (alô, anacronismo!); vou agora projectar na parede branca do seu quarto com janelas de guilhotina (entrei por aquela ali, isso, essa mesma), vou projectar uma imagem que fala, olhe com atenção e diga-me de quem se trata. Embasbacado, esfreguei os olhos e as mãos, torci o nariz, era ainda muito cedo e eu estava a ver (e a ouvir) a minha musa (a túnica azul de punhos vincados não engana!), aquela que me faz fluir o pensamento. E, sim, na parede branca do meu quarto já bailava a imagem (acima). A medo, entrei no jogo. Não sei quem seja, respondi, mas pelo estilo trata-se de uma menina-mulher dos anos sessenta do século passado, uma actriz de cinema com vários trejeitos de si. Bingo, gosto, disse e sorriu, e o nome, quer arriscar um nome? Hum, sussurrei, tenho uma ideia, a franja, o corpete e o estilo-padrão deixam-me desconfiado, uma vez que falou do que é ser contemporâneo, pergunto-lhe: tem algo a ver com Jean-Luc Godard? Pergunto-lhe, porque Godart era um bricoleur, conseguiu que as formas/ideias no cinema falassem, estou agora a recordar-me da(s) "Histoire(s) du cinéma", que são uma espécie rara de intuição warburguiana sobre a história, seja, ele agarrou as memórias (do cinema) do século passado e com elas fez a história do cinema. Isso, suspirou ela, isso mesmo, que inteligente me saiu, melhor que a encomenda, a imagem tem muito a ver com o Jean-Luc Godart, registe que ele terminou "Histoires du cinéma" com o princípio de um verso de Virgílio, na voz da Sibila de Cumas (também conhecida por Deífoba), "hoc opus, hic labor est"; mas sim, quente, trauteou em voz soprana, está quente, aqui vai mais uma pista: o Jean-Luc Godard tinha uma fonte de inspiração, uma fonte que era o seu centro de inspiração de mudança, mudança assente na inovação e na recuperação das memórias. Em mim, quando ouvi "fonte de inspiração" fez-se luz, disparei: aquela menina-mulher (apontei para a parede do meu quarto) foi (vai ser sempre) a musa de Jean-Luc Godard, o nome dela é Anna Karina. Acordei (estrovinhado) no eco de um "gosto, gosto e gosto!", e logo me assomou ao pensamento a memória de que Jean-Luc Godard se tinha inspirado em Descartes (de forma peculiar) para iniciar o trabalho das "histórias do cinema", assim: em vez de "Cogito ergo sum", "Cogito ergo video", daí que tenha mandado a escrita às malvas e tenha recorrido ao digital para conseguir que as formas/imagens falassem.
Anna Karina e Sibila de Cumas (também conhecida por Deífoba)?
Adenda
... memória e memória.

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