Donde vimos, ou: que revelam os genes sobre as nossas origens?
Sempre,
sempre eu, meu admirador de mim única, genial e perfeita, só me acontece a mim, tinha
que ser, ainda nem sei onde poisar, tal é a insustentável leveza da caterva imensa dos meus pensamentos que me assaltam, deuses, sei quem sou e sei donde venho, e agora? A sério, mesmo, a sério, respondi à dona da única voz sábia que me põe
os nervos em franja, a sério, parece-lhe bem interromper a minha
escrita e ainda por cima com uma imagem que não imagino o que possa significar? Vamos lá, olhe para mim, deixe de dar tamanha e tanta atenção à minha voz de soprana, afinal a minha voz apenas faz apenas jus à imbricação mútua do meu corpo e do meu espírito, não acompanho o Descartes quando dizia que nós os seres humanos sabemos da nossa existência independentemente do corpo, ripostou ela em tom de vê lá se entendes, olhando-me como quem tem na retina uma fogueira a arder. Não me dei por achado, e pelo canto do olho confirmei o agastamento dela: consegui ver e sentir tanto o seu corpo objectivo (objecto para a ciência) quanto o seu corpo vivido, aquele que é subjectivo, que é atravessado pelas sensações e que é habitado pela consciência (o corpo que interessa à fenomenologia), e gostei muito do que vi e do que senti. Pedi-lhe: por favor, dê-me uma dica sobre o significado da imagem que me mostra. Sorriu e, com aquele ar divertido (aconchegado de ternura) que bem lhe conheço, ciciou em voz velada: meu admirador encantado com o préstito dos meus atributos tanto físicos quanto espirituais, céus, fico tão contente quando percebo que quando estou perto de si tudo é límpido e original, nenhum antelóquio é necessário, aceito-me como sou; registe, a imagem é apenas e só uma página do teste genético que fiz para conhecer os meus parentes ancestrais. Assim, quando se abriram as cancelas do tempo, descobri que sou o meu ADN, os meus parentes ancestrais e mim, sei já o que os meus genes revelam sobre as minhas origens, e gosto. Rodopiou feliz, rosto corado e sadio, e, de supetão, disparou: já ouviu falar em "23andMe"? Não?! Que grande novidade me dá, que surpresa nenhuma, sabedoria minha samaritana! Percebi que ela saboreava regaladamente a minha ignorância com um sorrisinho a tiracolo, que guicha!
Adenda
Ainda (just because), com memória à mão de semear e colher.
Adenda
Ainda (just because), com memória à mão de semear e colher.
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